FAKE NEWS E DESINFORMAÇÃO EM SAÚDE NO BRASIL
Nelma Camelo de Araujo[1]
Universidade Federal de Alagoas
nelma.araujo@ichca.ufal.br
Juliana Fachin[2]
Universidade Federal de Alagoas
Ronaldo Ferreira Araújo[3]
Universidade Federal de Alagoas
ronaldo.araujo@ichca.ufal.br
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Resumo
Este estudo exploratório discursivo teve como objetivo averiguar na literatura o debate sobre a propagação de fake news e desinformação em saúde, no Brasil. Visto que é um tema atual e atinge a esfera global, agências públicas e privadas estão unindo forças para mitigar a propagação de fake news e a aplicação da prática de desinformação no país, principalmente na área da saúde, no qual o impacto pode ser a perda de vidas. Como achados, os dados obtidos no Fanpage Karma apresentam dois tópicos com maior número de postagens e dois com maiores números de interação. Em postagens, têm-se: tópicos em saúde com 36% - enfoque em temas específicos de saúde; o segundo foi Saúde coletiva com 31% - temas focados em saúde coletiva ou para grupos específicos. A diferença de um tópico para o outro foi a tratativa dos conteúdos e o público-alvo. Quanto ao engajamento e interações, os tópicos que se destacaram foram; Saúde coletiva ficou com 47%, e vacina com 33%, do total de interações (esse último detém apenas 15% de postagem). Como considerações finais, esse cenário demonstra que o público ainda consome e interage com conteúdo de desinformação em saúde, e que, pela falta de recursos mitigatórios e de punição para a prática, o diálogo e a prevenção ainda são os melhores caminhos a serem adotados.
Palavra-chave: saúde; fakenews; combate à desinformação; redes sociais; Brasil.
FAKE NEWS AND HEALTH DISINFORMATION IN BRAZIL
Abstract
This exploratory, discursive study aims to investigate the debate on the spread of fake news and health misinformation in Brazil in the literature. Since this is a current issue that affects the global sphere, public and private agencies are joining forces to mitigate the spread of fake news and the application of the practice of misinformation in the country, especially in the health area, where the impact can be the loss of lives. As findings, the data obtained from the Karma Fanpage show two topics with the highest number of posts and two with the highest number of interactions. In terms of posts, there are: health topics with 36% - focusing on specific health topics; the second was public health with 31% - topics focused on public health or for specific groups. The difference between one topic and the other was the treatment of the content and the target audience. Regarding engagement and interactions, the topics that stood out were: Public health accounted for 47% and Vaccine for 33% of the total interactions (the latter accounted for only 15% of posts). As final considerations, this scenario shows that the public still consumes and interacts with health misinformation content, and that, due to the lack of mitigating resources and punishment for this practice, dialogue and prevention are still the best paths to be adopted.
Keyword: health; fake news; combating disinformation; social media; Brazil.
FAKE NEWS Y DESINFORMACIÓN SANITARIA EN BRASIL
Resumen
Este estudio exploratorio, discursivo, buscóinvestigar el debate en la literatura sobre la propagación de noticias falsas y desinformación en salud en Brasil. Al ser un tema de actualidad y afectar el ámbito global, organismos públicos y privados están uniendo esfuerzos para mitigar la propagación de noticias falsas y la aplicación de prácticas de desinformación en el país, especialmente en el área de salud, donde el impacto puede ser la pérdida de vidas. Como hallazgos, los datos obtenidos de Fanpage Karma presentan dos temas con el mayor número de publicaciones y dos con el mayor número de interacciones. En las publicaciones, hay: temas de salud con un 36% - se centran en temas de salud específicos; El segundo fue Salud Pública con un 31%, temas enfocados a la salud pública o para grupos específicos. La diferencia de un tema a otro fue el tratamiento del contenido y el público objetivo. En cuanto al engagement e interacciones, los temas que destacaron fueron; La salud pública representó el 47% y la vacuna el 33% del total de interacciones (esta última solo representa el 15% de las publicaciones). Como consideraciones finales, este escenario demuestra que el público todavía consume e interactúa con contenidos de desinformación en salud y que, debido a la falta de recursos para mitigar y sancionar la práctica, el diálogo y la prevención siguen siendo los mejores caminos a adoptar.
Palabra clave: salud; fake news; combate a la desinformación; redes sociales; Brasil.
1 INTRODUÇÃO
O cenário caótico que a desinformação causou, em um momento tão crítico que foi a pandemia do Covid-19, quando ainda não se sabia ao certo o que fazer, como combater a doença e quais medidas tomar, e o montante de desinformação criada acarretou o estado de infodemia, que significa uma “enxurrada de conteúdos falsos e enganosos, construídos com fim de desinformar e gerar caos”, com todo tipo de orientação contrária às da Organização Mundial de Saúde (OMS), ocasionando pânico e medo na sociedade. A OMS caracteriza a desinformação generalizada como infodemia, que é “uma informação falsa ou imprecisa cuja intenção deliberada é enganar”, que acontece por meio de “um excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se precisa”, gerando um caos informacional (OPAS, 2020, p. 2).
A infodemia ganha força com a rápida propagação nas redes, por meio do uso de recursos tecnológicos, como as redes sociais e nos grupos de WhatsApp. No Brasil esse fenômeno ficou mais evidente durante a pandemia do Covid-19, com uma enxurrada de informações falsas sobre o Covid-19, vacina e sobre otratamento da doença, ampliada pela falta de controle e regulamentação das redes(Kalil; Santini, 2020).
Com a ampla difusão nas redes as fakes news ganham espaço, passam a competir com o conteúdo relevante, e o que é verdade se torna mentira, bem como, o que é mentira se torna verdade. fakes news são notícias falsas, que contém conteúdo enganoso, criadas com a intenção de manipular o outro, geralmente não apresentam fontes, um responsável, data de publicação, algo que dê credibilidade ou possibilidade de conferência de sua veracidade, pois confiam que o leitor ávido por repassar um conteúdo “bombásticos” não conseguiria identificar o falso do verdadeiro (Silva; Santos; Almeida; Pardo, 2020).
As redes sociais por serem canais sem qualquer regulamentação, são ambientes favoráveis para a rápida propagação desse tipo de conteúdo, na qual a população se encarrega pela disseminação da desinformação. Nas redes qualquer um pode se intitular um especialista, sem ao menos ter uma formação, estudo ou conhecimento básico, dificultando o trabalho de desmistificar uma desinformação nesses ambientes.
Mesmo com a comprovação da fabricação deconteúdos enganosos, e da rede de disseminação desses materiais, o Brasil não conseguiu avançar na regulamentação de instrumentos normativos e punitivos para essa prática, pois existem políticos e figuras públicas envolvidos com a rede de desinformação no país, e é de interesse desses que assim permaneça (Lago, 2022).
Mediante o exposto, a desinformação na saúde, no Brasil, é um tema de grande relevância e que precisa ser discutido. Para tanto, é preciso incluir neste debate o combate à desinformação, as medidas e possibilidades de mitigar a sua ampla difusão nas redes, em um esforço coletivo, por meio de canais confiáveis e com profissionais de múltiplas áreas de conhecimento, somando-se forças para minimizar os impactos desse tipo de prática na sociedade contemporânea, principalmente, sobre as temáticas que impactam na saúde coletiva.
Em vista disso, o presente estudo teve como objetivo averiguarna literatura o debate sobre desinformação em saúde, e com isso, discutir a respeito da propagação de fake news e desinformação em saúde no Brasil.
2 ÉTICA EM SAÚDE NO BRASIL
No Brasil, as questões éticas implicadas no desenvolvimento da Ciência, permeiam o respeito a dignidade dos indivíduos, uma vez que seja na área Biomédica ou nas Ciências Humanas e da Terra, os pacientes e participantes de pesquisa como: crianças, indígenas, quilombolas, mulheres, em vulnerabilidade ou não, são pessoas da sociedade civil, em contextos diversos e todos merecem respeito; portanto, o desenvolvimento de estudos ou de pesquisa, seguem normativas relacionadas às práticas éticas de coleta e uso de informações dos participantes, essas normativas perpassam por orientações internacionais, desde o código de Nuremberg (1949) e Helsinque (Associação Médica Mundial, 1964), os quais estão relacionados ao respeito à dignidade humana, uma vez que no período de guerras, não haviam orientações sobre a participação de seres humanos no desenvolvimento de pesquisas.
Após essas orientações, nos anos de 1970, são apresentados os princípios da Bioética, para a aplicação de estudos com seres humanos, com base no relatório de Belmont (USA, 1978), onde foram propostos os quatro princípios: da não maleficência, da beneficência, da autonomia e o da justiça. Desse modo, os princípios éticos no contexto da bioética conseguem abarcar todas as áreas do conhecimento, primando pelo bem-estar do ser humano, principalmente quando for participante de pesquisas.
Seguindo as orientações internacionais, o Brasil constituiu o sistema CEP/CONEP pelo Conselho Nacional de Saúde(CNS), que é vinculado ao Ministério da Saúde, esse sistema é constituído pelos Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos(CEP), Comitês esses estabelecidos por regras e orientações nas instituições de pesquisas e de saúde no Brasil, Universidades, Hospitais Escolas e demais instituições nessa área.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa(CONEP), tem entre suas atribuições,a de elaborar resoluções e documentos orientadores, voltados para os pesquisadores, em especial aquelas que auxiliem no melhor procedimento ético com os participantes de pesquisa, outra atividade da CONEP é o treinamento dos membros dos CEPs no Brasil, capacitando e orientando na prática seus respectivos membros.
Na hierarquia após o CEP/CONEP, tem-se o Conselho Federal de Medicina- CFM (Brasil, 2019), que institui em seu código de ética os princípios, direitos, as responsabilidades e deveres dos médicos, bem como apresenta no capítulo I, os princípios fundamentais:
I - A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza;
II - O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional;
VI - O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício, mesmo depois da morte. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativas contra sua dignidade e integridade;
Capítulo III - responsabilidade profissional - é vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente;
Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos
ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade;
Capítulo V - relação com pacientes e familiares - é vedado ao médico:
Art. 32. Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente;
Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar danos, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal;
Capítulo VIII - remuneração profissional - é vedado ao médico:
Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza;
Art. 69. Exercer simultaneamente a medicina e a farmácia ou obter vantagem pelo encaminhamento de procedimentos, pela prescrição e/ou comercialização de medicamentos, órteses, próteses ou implantes de qualquer natureza, cuja compra decorra de influência direta em virtude de sua atividade profissional;
Capítulo XII - ensino e pesquisa médica - é vedado ao médico:
Art. 99. Participar de qualquer tipo de experiência envolvendo seres humanos com fins bélicos, políticos, étnicos, eugênicos ou outros que atentem contra a dignidade humana;
Art. 102. Deixar de utilizar a terapêutica correta quando seu uso estiver liberado no País;
Parágrafo único. A utilização de terapêutica experimental é permitida quando aceita pelos órgãos competentes e com o consentimento do paciente ou de seu representante legal, adequadamente esclarecidos da situação e das possíveis consequências.
Capítulo XIII - Publicidade Médica - é vedado ao médico:
Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente.
(Conselho Federal de Medicina, 2019).
Assim como o CFM, o Conselho Federal de Farmácia (2022) dispõe de um código de ética que, por sua vez, é regulamentado pela resolução n. 724 de 2022, que institui:
Art. 2º - Todos os inscritos atuarão com respeito à vida humana, ao meio ambiente e à liberdade de consciência nas situações de conflito entre a ciência e os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal;
Art. 8º - A profissão farmacêutica deve ser exercida com vistas à promoção, prevenção e recuperação da saúde, e sem fins meramente mercantilistas;
Art. 14 - O farmacêutico, durante o tempo em que permanecer inscrito em um CRF, independentemente de estar ou não no exercício efetivo da profissão, deve:
III - Fornecer orientações necessárias ao usuário, objetivando a garantia, a segurança e a efetividade da terapêutica, observando o uso racional de medicamentos;
VIII - utilizar dados técnico-científicos baseados na melhor evidência disponível;
X - Prestar orientação farmacêutica, com vista a esclarecer aos pacientes os benefícios esperados dos tratamentos farmacológicos e o risco de efeitos adversos, interações entre medicamentos e entre esses e alimentos, álcool e tabaco, bem como orientar a respeito de aspectos relacionados ao preparo, conservação e uso seguro dos medicamentos;
Art. 15 - Todos os inscritos em um CRF, independentemente de estar ou não no exercício efetivo da profissão, devem:
VII - respeitar a vida, jamais cooperando com atos que intencionalmente atentem contra ela ou que coloquem em risco a integridade de qualquer ser vivo ou da coletividade;
XX - Notificar, no que couber em seu âmbito de atuação profissional, os órgãos de saúde, vigilância epidemiológica ou outros, quando da detecção de agravo decorrente de doenças de notificação compulsória, seja por meio de exames laboratoriais, testes rápidos ou em rastreamento em saúde;
Art. 18 - É proibido a todos os inscritos no CRF:
XXVI - conduzir pesquisa ou utilizar dados envolvendo seres humanos ou animais, sem submetê-la à avaliação prévia do respectivo Comitê de Ética em Pesquisa;
XXXI - produzir e/ou divulgar, por qualquer meio, informação sobre temas farmacêuticos ou de saúde em geral de conteúdo inverídico, sensacionalista, promocional, que não possua a devida comprovação ou que contrarie a legislação vigente;
XXXII - promover a utilização de substâncias ou a comercialização de produtos que não tenham a indicação terapêutica analisada e aprovada, bem como aquele, que não estejam descritos em literatura ou compêndio nacionais ou internacionais reconhecidos pelo órgão sanitário federal;
XXXIX - fazer propaganda de substância, medicamento, procedimento ou técnica em saúde que contrarie a norma vigente, induza o usuário a erro, à exposição indevida ou ao uso irracional;
Art. 20 - É vedado ao inscrito em CRF:
IV - Anunciar produtos farmacêuticos ou processos por quaisquer meios capazes de induzir ao uso indevido e indiscriminado de medicamentos ou de outros produtos farmacêuticos;
Em ambos os códigos de ética, a nível federal, de medicina e de farmácia, partem da premissa da aplicação ética da profissão, respeitando a vida e a condição humana, agindo sempre para o bem estar do indivíduo e do coletivo, e nunca, sobre o pretexto do ganho para si próprio ou de outros, seja no desenvolvimento ou prescrição de fármacos, bem como a orientação de uso de tratamentos que tenham comprovação científica garantida e que seja indicado para tal fim, bem como a necessidade desses fármacos estarem regulamentados pelos órgãos competentes, respeitando as leis e os órgãos vigentes.
Em 2020, a associação de medicina de São Paulo, lançou uma nota pedindo que os profissionais de saúde não utilizassem métodos, práticas ou recomendações sem que houvessem evidências científicas, bem como a devida comprovação da eficácia destes para o tratamento de pacientes, se referindo ao tratamento precoce do Covid-19, juntamente com os alertas feitos pelo Conselho Federal de Farmácia (Brasil, 2023), Associação Médica Brasileira (G1, 2021), Conselho Federal de Enfermagem (Brasil, 2020) e fabricantes de alguns fármacos do kit (Cócolo; Brito, 2021), indicando que os medicamentos do kit-Covid não tinham qualquer indício de eficácia para o tratamento da doença.
Segundo Pontes (2023), uma associação de médicos e duas empresas do ramo, foram processadas e condenadas em primeira instância, a pagar uma indenização de 55 milhões, por terem publicado em jornais de grande circulação no país um texto em defesa do kit-Covid, levando milhares de pessoas a consumir os fármacos sem qualquer comprovação científica e benéfica para o tratamento da doença. Os réus foram “Grupo José Alves (GJA Participações), a Vitamedic Farmacêutica, ambos fabricantes do kit-Covid, e a Associação Dignidade Médica de Pernambuco”, os quais se manifestaram por meio do material intitulado “Manifesto pela Vida”, que incentivava o uso dos fármacos, publicado em fevereiro de 2021, durante o auge da pandemia de Covid-19. A farmacêutica Vitamedic assumiu ter pagado 717 mil pela divulgação do conteúdo nos jornais de grande circulação. Na CPI da pandemia, foi constatado que o faturamento da indústria farmacêutica, responsável pelo kit-Covid, lucrou 755 milhões com a venda dos fármacos (Pontes, 2023).
Conforme o exposto, as questões éticas na saúde são de suma importância para a sociedade, visto que o código de ética de Medicina e de Farmácia são rigorosos quando há má conduta do profissional, na qual é vedada a prática que cause danos a vida, principalmente, quanto à orientação e à indicação de medicamentos que não tenham comprovação de eficácia científica e regulamentação pelas agências de regulamentação, das quais devem seguir vigilantes.
As questões éticas na saúde também atingem outros países. A pesquisadora Krishnan (2024), indica que na Índia, "nos últimos meses, a tensão entre a medicina tradicional e a moderna atingiu o auge, com a Associação Médica Indiana a levar a um tribunal uma das maiores empresas farmacêuticas por fazer alegações falsas e enganosas em anúncios sobre a cura de uma vasta gama de doenças, do resfriado comum ao autismo"; a autora citadaindica o uso dos recursos da desinformação para a prática de comercializaçãode medicamentos duvidosos, os quais prometem a cura milagrosa paracertas doenças, fazendo com que a medicina tradicional tenha que intervir para impedir que os danos causados na sociedade não sejam ainda maiores.
Asfakenewse a Desinformação têm sido um instrumento bastante utilizado nas redes, em diversas áreas, porém, a saúde é a mais afetada, devido aos danos à vida dos sujeitos. Brandão (2023), apresenta o estudo do Lab - Laboratório especializado em segurança digital (DFNDR),daEmpresa de Soluções de Cibersegurança Baseadas em Inteligência Artificial (PSafe),indica que, em 2020 "75% dos brasileiros já foram impactados por notícias falsas e que 45,94% afirmaram já ter recebido informações mentirosas sobre saúde". Nesse sentido, o combate as fakenews e a Desinformação requerem esforços, principalmente da área da saúde, pois são eles que estão na linha de frente, no atendimento, diagnóstico, tratamento e combate de doenças, acolhendo os pacientes cometidos pela desinformação.
3 COMBATE À DESINFORMAÇÃO NA SAÚDE
Com receio de novos acometimentos, como foi a pandemia e crises epidemiológicas no país, o governo brasileiro criou serviços e medidas para verificar informações de saúde pública, a fim de antecipar situações antes que saiam do controle do Estado (Carmo; Penna; Dinis, 2000). Alguns serviços já existiam e foram aprimorados e outros foram criados, com o objetivo de atender as demandas emergentes.
Ocupando um lugar de destaque no Brasil, o Sistema de Informação de Agravo de Notificação– SINAN (Brasil, 2024),consolidado em 2017 paraestabelecer a rede federal, estadual e municipal de saúde. Integrado a ele está o Departamento de Informática do SUS, o DATASUS (Brasil, 2024), que apresenta políticas públicas, diretrizes, indicadores, estatísticas, dados sobre a cobertura do Serviço Único de Saúde no Brasil, unificando os sistemas informacionais, representando uma estrutura de alinhamento dos serviços públicos, pois informação é o principal insumo para a criação de estratégias e políticas públicas para a gestão e combate de problemas, bem como a prestação de serviço de saúde rápido, eficaz e de qualidade, entre outros segmentos.
Seguindo a lógica da unificação para somar forças, em 2019, foi criada a Rede Nacional de Combate à DesinformaçãoRNCD (Brasil, 2024), que nasceu como uma iniciativa integradora e de troca de dados, com o intuito de combate a desinformação na saúde, e posteriormente se adentrou em outros cenários; por isso, a RNCD apresenta vários canais e iniciativas para combater a desinformação e a disseminação de fake news na web. Conforme informações em sua página, hoje a RNCD conta com cerca de 189 parceiros, entre instituições públicas e privadas.
Para a difusão de informações confiáveis e de combate a desinformação em saúde, o governo criou alguns serviço e iniciativas, como o canal Saúde sem Boatos (Brasil, 2024), que tem o intuito de orientar, por meio de linguagem simples, como identificar conteúdos falsos e boatos, a fim de auxiliar no enfrentamento da desinformação. Conforme a indicação no site, o “canal Saúde sem Boato é uma iniciativa do Conselho Nacional de Saúde contra a desinformação e suas graves consequências na vida da população” (SUSConecta, 2024). No Saúde sem Boatos, que é vinculado ao SUSConecta, são postados conteúdos científicos sobre saúde e desinformação, bem como o link do Lupa Mundi (2024), onde é possível saber sobre as características de uma desinformação e como denunciar, bem como a possibilidade de verificar as legislações sobre desinformação, as que estão em pauta ou vigente, em escala global.
O relatório do World Economic Forum indica que a informação falsa e a desinformação estão no topo dos riscos globais, a curto e a longo prazo, sinalizando que “os riscos interligados de informações falsas e desinformações impulsionados pela inteligência artificial (IA), bem como a polarização social, dominam o panorama de riscos para 2024” (World Economic Forum, 2024).
É um cenário bastante preocupante. A título de exemplo, a taxa de brasileiros que ainda não tomaram todas as doses da vacina da Covid-19 é de cerca de 68 milhões de pessoas (Brasil, Ministério da Saúde, 2023); impactando também na cobertura de outras vacinas e no aparecimento de doenças que já haviam sido erradicadas no país. “Desde 2016, as coberturas de todos os imunizantes previstos pelo Programa Nacional de Imunizações(PNI) estão em queda. A situação é alarmante, uma vez que surtos de doenças imunopreveníveis, como sarampo e poliomielite, podem surgir em todo o Brasil, colocando em xeque a saúde da população”(Butantan, 2024). Mais de 60% dos municípios brasileiros não atingiram a meta de 95% de imunização do primeiro ano de vida, a taxa cai a cada ano. Em 2023, uma parcela de 30% das crianças ficou sem a imunização necessária, por opção das famílias, que optaram por não administrar as vacinas necessárias (Butantan, 2024), mesmo com o Brasil possuindo uma política nacional de imunização de toda a população, via SUS, o qual fornece gratuitamente todos os imunizantes necessários, em todas as fases da vida dos brasileiros, além de consulta, tratamento e acesso à medicamentos.
Como foi visto, a desinformação deixou graves sequelas na sociedade brasileira, que ainda impacta os serviços de saúde básica e as pessoas por eles assistidas. Por esse motivo, é importante que essa prática seja combatida. Dessa forma, as agências públicas estão disponibilizando canais de comunicação para atender a essa demanda. O próprio Instituto Butantan dispõe de um serviço chamado de Fato ou Fake, com postagens sobre vacinação e saúde (Butantan, 2024).
Outra iniciativa, que o governo federal lançou em outubro de 2023, foi o programa Saúde Com Ciência, em defesa da vacinação e para combate a desinformação no país (Ministério da Saúde, 2023), nesse canal constam informações sobre o programa nacional de vacinação; informações fake sobre vacinas; matérias sobre a disseminação de fake news; canal de checagem de informação; materiais com informações fidedignas para serem compartilhadas; um Disque Saúde 136; um canal de denúncia de fake, chamado Falar, e um número 61 99381-8399 do WhatsApp do Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2024).
Também foi desenvolvido o guia para profissionais de saúde (Sacramento et al. 2024), no qual os autores apresentam o contexto da desinformação na saúde, discorrendo sobre fatos e ações. Segundo Sacramento et al. (2024, p. 5-9), “Os sujeitos afetados pela desinformação são complexos, possuem crenças, valores e estão inseridos em um contexto próprio. Logo, as tentativas de desmistificar os conteúdos falsos serão uma negociação baseada na argumentação e no respeito a esse sujeito”. Os autores complementam este pensamento, indicando que “as pesquisas revelaram que as pessoas confiam muito nos profissionais de saúde, especialmente quando apresentam evidências” e enfatizam que “a desinformação funciona como um vírus. Uma vez contaminada, é mais difícil de tratar. Assim como em qualquer doença, a prevenção ainda é o melhor remédio, e o diálogo continua sendo a estratégia mais eficaz” (Sacramento et al., 2024, p. 5-9).
Partindo da lógica da prevenção e da capacitação dos profissionais para lidar com a desinformação na linha de frente, junto à sociedade, o Instituto Israelita de Ensino e o Centro de Pesquisa Albert Einstein (2018), realizaram um evento com jornalistas e pesquisadores para discutir os desencadeamentos de ações, indicando que na “área médica, o fenômeno tem deixado as autoridades em alerta, além de trazer consequências para o relacionamento dos profissionais de saúde com seus pacientes”. Na época, já havia a preocupação com a crescente demanda de desinformação na saúde: “[...] a proliferação de informações falsas afeta o comportamento de parte da população, que vêm crescendo dia a dia”.
Igualmente, a Fundação Oswaldo Cruz– Fiocruz (Brasil, 2024), realizou o evento intitulado "Desafios da desinformação e possibilidades para a divulgação científica” em março de 2024, para debater ações que possibilitem mitigar os impactos da desinformação na saúde brasileira.
Assim como no Brasil, esse tema é de preocupação em outros países, pois a disseminação de fake news, que gera desinformação na saúde, na política entre outras esferas, atinge o cenário global. Por esses motivos, os esforços para mitigar a disseminação de desinformação têm partido das mais diversas áreas de conhecimento, de entidades públicas, privadas e de diferentes organizações. Mesmo que não seja uma tarefa fácil, tais esforços são necessários, pois a desinformação na saúde mata!
4 METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do presente estudo, foi empregado o método exploratório discursivo, no qual foi realizado o levantamento bibliográfico de fontes e informações, para o aporte teórico e a problematização da temática na área da saúde. Rampazzo (2013), Lakatos e Marconi (2010) e Kothari (2004), fundamentam o método empregado, o qual visa obter informações relevantes para atender ao objetivo proposto, de analisar a literatura, e com isso, debater a respeito da propagação de fake newse desinformação em saúde no Brasil.
Como forma de complementar o debate teórico, foi feito um levantamento para obter os dados do cenário da desinformação em saúde nas redes sociais, por meio da versão teste do Fanpage Karma[4], com o intuito de averiguar o que estava sendo dito sobre desinformação em saúde, e se essa prática ainda estava ocorrendo nesses canais.
Ao buscar na plataforma do Fanpage Karma, utilizando o termo “desinformação” foi recuperado todo tipo de assunto correlacionado, e para ajudar a refinar a busca, a plataforma oferece o serviço de atualização de termos, mostrando os termos que são correlatos ao pesquisado, por meio de uma lista: #desinformação; #desinformacao; #noticiasfalsas; #factchecking; #factchek; #fakes; #boatos; #chegadefakenews; #coronavirusfacts; #cloroquina; #hidroxicloroquina; #institutobutantan; #vacinacoronavirus; #vacinacontracovid; #coronavac; #vacinachinesa; #mortos, entre outros. Para ter uma maior cobertura temática, todos os termos relacionados à saúde + fake news+ desinformação + coronavírus + pandemia foram testados, juntos e separados, possibilitando combinar termos, chegando-se ao termo “Desinformação em saúde”, que obteve maior aderência, sendo empregado para a busca.
O termo “Desinformação em saúde”, recuperou 40 posts, ranqueados pela ferramenta, contemplando as postagens feitas no período de 25/06 a 22/07 de 2024, nas plataformas do Instagram e Facebook.
Os dados obtidos por meio das postagens selecionadas para a análise possibilitaram o agrupamento temático e o debate a respeito da propagação da desinformação nas redes, no contexto da saúde, no Brasil.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Das 40 postagens sobre desinformação em saúde, recuperadas pela plataforma, apenas 19 são realmente direcionadas às temáticas em saúde, e quatro postagens sobre desinformação em saúde apresentam conteúdo repetidos nas distintas redes (mesmas postagens em redes diferentes: Instagram e Facebook), a postagem de um mesmo conteúdo em ambas as redes é algo que a ferramenta possibilita fazer de forma automática. O Quadro 1 apresenta o agrupamento das postagens.
Quadro 1 - Agrupamento temático das postagens
Posts |
Agrupamentos |
Temáticas |
3 |
Postagens sobre desinformação e vacina |
Vacina da HPV; Taxa de vacinação no Brasil; Adesão às vacinas no país. |
3 |
Postagens sobre desinformação Nutricional |
Combate à desinformação nutricional; Nutrição infantil; Desinformação alimentar. |
6 |
Postagens sobre desinformação e os impactos na saúde coletiva ou de grupos; |
Medicina estilo de vida; impactos da desinformação na favela; campanha de combate à desinformação em saúde; IA e a disseminação de desinformação em massa;Vacina da covid e a síndrome da pessoa rígida; políticas educacionais em saúde e assistência. |
7 |
Postagens sobre desinformação em temas específicos da saúde |
Imunização; Exames; Autismo; Constrangimento de pacientes LGBTQIAPN+; Uso de remédios caseiros; Saúde do homem; Fisioterapia pélvica. |
Fonte: dados obtidos no Fanpage Karma (2024).
A maioria das postagens recuperadas são de agências de checagem, de organismos de saúde, de associações e conselhos de classe da área da saúde; algumas com mais de uma postagem, como o caso da Agência Lupa e do Ministério da Saúde.
Nesta análise, foram observadas a presença das seguintes instituições: Agência Lupa; ONU Brasil; Ministério da Saúde; Conselho Federal e Regionais de Nutrição; Conselho Regional de Farmácia de Goiás; Associação Brasileira de Nutrologia; Sanclin Imagem e Diagnóstico; Clinica Andros; Medicina Estilo de Vida; Hipermed; Fisio Pélvica Floripa; Revista Fórum; Site Avoador; Jovem Pan Curitiba; Canal Drauzio Varela; Canal Fique Informada (ativista do movimento corpo livre); e dois perfis de políticos. As postagens apresentam o conteúdo de combate a uma desinformação específica em saúde.
Cabe salientar que conteúdos enganosos, ao serem postados nas redes, não são rotulados por seus criadores como desinformação, até que alguma agência de checagem assim o faça e a plataforma rotule como fake news, ou seja demora para ser identificada. Adicionalmente, a postagem com a identificação de checagem de conteúdo fake não tem a mesma amplitude de disseminação que o próprio conteúdo fake obteve quando foi disseminado.
A desinformação vem permeando temas diversos, que vão desde política, difamação alheia a assuntos de saúde, como vacinação, desencadeando pavor coletivo. No que tange à vacinação, esse tipo de informação tem tido impactos imediatos, de médio e de longo prazo, como o caso da agenda de vacinação no país, mencionado anteriormente, com a redução de cerca de 30% de adesão nos primeiros anos de vida das crianças.
Outros países também sofrem com esse impacto, bem como menciona a editora chefe do FirstCheck, Krishna (2024), na índia asfakenewscausaram uma avalanche de desinformação que ainda reverbera sobre o calendário de vacinação das crianças, impactando na prevenção de doenças de alto risco, como: HPV e o sarampo.
Informações de interesse coletivo atingem comunidades inteiras, principalmente, as que estão em vulnerabilidade, como o estudo apontado por Sanz (2024), do Instituto Data Favela, na qual apresenta os impactos da desinformação nas favelas e periferias brasileiras, sinalizando que: a “mentira impacta até na saúde mental da classe trabalhadora” e que “94 milhões de moradores admitem já ter acreditado em informação ou notícia que depois se descobriu ser falsa”.
Como já foi dito, há desinformação em todos os segmentos, seu objetivo é enganar, mentir, causar pânico e caos, seja para benefício próprio ou de um grupo, como sinaliza o estudo de revisão de Oliveira et al. (2024), no qual os autores indicam que a desinformação tem afetado o mundo todo, em esfera global, e que as redes sociais são as maiores disseminadoras ebeneficiárias desse sistema de difusão de conteúdo enganoso, mesmo que esse tipo de conteúdo tenha causado danos, confusão e pânico em toda a sociedade.
Para entender um pouco mais a respeito do dinamismo desse tipo de informação nas redes, foi observada a interação do público das 19 postagens, obtidas pelo Fanpage Karmae utilizadas neste estudo, capturando as interações por meio das curtidas e reações, comentários e compartilhamentos, referente ao período de 28 dias, do recorte que a versão teste da plataforma aplica, automaticamente, conforme representado na Tabela 1.
Tabela 1 - Distribuição das postagens sobre desinformação por categoria e engajamento obtido
Categoria |
Postagens |
(%) |
C1 |
C2 |
C3 |
Total |
(%) |
Nutricional |
3 |
15,79 |
351 |
3 |
354 |
708 |
13,40 |
Saúde Coletiva |
6 |
31,58 |
1.854 |
525 |
148 |
2.527 |
47,83 |
Tópicos em Saúde |
7 |
36,84 |
161 |
93 |
26 |
280 |
5,30 |
Vacina |
3 |
15,79 |
1.740 |
23 |
5 |
1.768 |
33,47 |
Total |
19 |
100 |
4.106 |
644 |
533 |
5.283 |
100 |
(%) |
- |
- |
77,70 |
12,19 |
10,09 |
- |
|
* Legenda: C1 = Curtidas e reações; C2 = Comentários; C3 = Compartilhamentos.
Fonte: Dados da pesquisa (2024).
Ao todo, as 19 postagens indicaram um engajamento com o público e concentraram 5.283 interações, sendo 4.106 curtidas, 644 comentários e 533 compartilhamentos. Equivale a dizer que a maior expressão de engajamento nas postagens se deu pela ação de “curtir ou reagir” à postagem (77,7%). Ações como a de curtir e o compartilhar costumam ser mais expressivas, possuem função de legitimar o que está sendo dito, concordando ou assentindo (Recuero, 2014) e costuma ser associado a uma ação positiva em relação ao conteúdo (Araújo; Murakami; Prado, 2018). Comentar costuma ser menos frequente pois demanda maior comprometimento na possível conversação (Recuero, 2014).
Os dados indicados na Tabela 1 se assemelham aos de outras pesquisas como a de Oliveira e Santos Neto (2022) que analisaram conteúdos desinformativos no Facebook e encontraram maior concentração de participação nas curtidas, mas difere no comparativo entre comentários e compartilhamentos, uma vez que nas postagens aqui analisadas, o engajamento na forma de comentários, que costuma exigir mais envolvimento do usuário com a postagem, supera o de compartilhamentos, indicando haver mais debate e conversação nos tópicos de desinformação aqui analisados.
Quanto ao desempenho das categorias nota-se que postagens relacionadas à Saúde Coletiva obteve a maior atenção, concentrando 47,63% do total de interações recebidas, seguido de postagens sobre Vacina com 33,47%. Embora Tópicos em Saúde tenham o maior número de postagens (7), a categoria foi a que menos engajou, obtendo apenas 5,30% do total de interações. Ainda que geralmente ações de compartilhamento costumam superar as de comentários, nas categorias saúde coletiva, tópicos em saúde e vacina, os comentários superam em de 3 a 4 vezes mais que os compartilhamentos, confirmando que os temas geram discussão no público, o que representa um aspecto positivo, pois há reflexão e debate.
Krishna (2024) sinaliza que é preciso continuar combatendo a desinformação na saúde e que é preciso fornecer "informações de saúde credíveis, oportunas, relevantes, compreensíveis e práticas, facilmente acessíveis a todos". Bem como enfatiza Oliveira et al. (2024), mencionando a importância da atuação dos profissionais de saúde para o combate da desinformação, em aplicar ações e práticas para mitigar a disseminação de tipo de conteúdo, seja nas redes ou em comunidades locais.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há diversas questões ao entorno da disseminação de fake news, dos interesses e motivações pessoais de quem cria e compartilha esse tipo de conteúdo, dos que se beneficiam com a audiência em seus canais, daqueles que lucram ao anunciar em canais que não há qualquer preocupação dos impactos desse tipo de informação, de agentes públicos (políticos) que não querem regulamentar e punir a prática, de toda uma parcela da sociedade que é negligente e omissa, entre outros fatores. O fato é que a intenção, ao criar uma fake news, nunca é benéfica, visto o que esse tipo de conteúdo pode causar para a população. Há sempre a intenção de enganar, confundir, mentir e desestruturar um grupo, uma pessoa ou empresa.
D’Angelo (2024) e Oliveira et al. (2024) indicam que as redes sociais, como a Meta, Google, X e TikTok, estão se beneficiando financeiramente da desinformação e por isso não querem implementar políticas de combate em suas plataformas, mesmo que a desinformação tenha causado danos à saúde pública e interferido no resultado de eleições em países de todo o mundo, com maior impacto nos países mais pobres.
Falcão, Oliveira e Araújo (2022) sinalizam que as crenças atuais colocam a ciência e o Estado sob suspeita, além de favorecerem uma criminalização do conhecimento científico. Contexto este que é impulsionado pelos “charlatões” da web, considerando que qualquer um pode ser “doutor” em qualquer assunto, mesmo sem qualquer formação, em um movimento conhecido como anticiência.
Enquanto não houver uma legislação rigorosa que puna os criadores e disseminadores de
conteúdos enganosos, a desinformação vai continuar a circular pelas redes, pois também não há uma regulamentação e políticas de punição para a ampla difusão em canais de comunicação em massa, o que dificulta ainda mais o combate dessa prática no país.
Bub (2005) menciona as dificuldades e a linha tênue dos preceitos morais que norteiam uma prática ética em uma sociedade. Por isso, a propagação de fake news que causam desinformação é um dilema moral da sociedade moderna, o qual deve ser debatido e conduzido com base em normas, regras e condutas, considerando as nuances do ser humano que são constituídas por crenças e conhecimento coletivo, impactado pelo meio do qual vivencia e tem como verdadeiro e correto.
Quanto à sociedade científica, lhe resta atuar, dentro de suas competências, para combater a desinformação de forma sábia e com cautela, bem como exigir medidas efetivas do setor público, visto que a esta prática descredibiliza a ciência e põem em risco a vida de pessoas, sendo este um motivo suficiente pelo qual os profissionais das mais diversas áreas devem unir forças para que a prática perca espaço nas comunidades e redes da web.
E para os profissionais de saúde não é diferente. Cabe o combate por meio da desinformação por meio da orientação de ações, de tratamentos e da explicação da causa e manejo das doenças. Dessa maneira, a consulta passará a ser um momento de acolhimento, principalmente, nas unidades básicas de saúde, no qual os agentes de saúde podem despender de mais tempo para esse acolhimento social e humanitário, orientando de maneira adequada os indivíduos que procuram por ajuda e respeitando a realidade desses indivíduos.
Outra possibilidade é a aplicação de ações pontuais nas unidades de saúde: palestras, distribuição de encartes, conversas, serviço de tirar dúvidas, ações de mitigação da disseminação de fake; com maior empenho em regiões onde há públicos de baixa escolaridade e acesso à informação credível, pois esses sujeitos são consumidores e disseminadores orgânicos de fake news, e são essas pessoas que mais necessitam de atenção. Conforme já discutido, os números dos impactos das fakes são representados pela queda na vacinação das crianças no primeiro ano de vida, refletindo que o movimento antivacina ganhou força por meio da propagação das fakes news, atingindo uma boa parcela da sociedade.
Referências
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[1]Pós-doutorado em Ciência da Informação pela UFSC. Vice-Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFAL. Professora no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas.
[2]Doutora em Ciência da Informação pela UFSC. Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Alagoas. Bolsista FAPESC/Epagri.
[3]Pós-doutorado em Science and Technology Studies (CWTS) na Leiden University. Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, e no curso de graduaçãode Biblioteconomia da Universidade Federal de Alagoas.
[4] Sistema paramonitoramento de redes sociais (coleta feita em 22/07/2024): Ver mais em: https://www.fanpagekarma.com/