A CONTRIBUIÇÃO DA REBELIÃO DE STONEWALL

PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE E O DIREITO LGBTQIAPN+ NO BRASIL

 

Jeferson Lau da Silva[1]

Universidade Federal de Alagoas

jeferson.silva@arapiraca.ufal.br

 

Zaqueu Jhônathas Santos da Silva[2]

Universidade Federal de Alagoas

zaqueu.silva@fanut.ufal.br

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Resumo

Este artigo analisa a influência da Rebelião de Stonewall na formulação e desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a saúde e os direitos da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil. Reconhecida como um marco histórico de resistência e luta por direitos civis, Stonewall serviu como impulso para o reconhecimento global das necessidades e direitos desta comunidade diversa. O estudo mapeia políticas e documentos específicos no âmbito brasileiro, examinando seu contexto histórico e sua evolução ao longo dos anos. Através de uma metodologia que combina pesquisa documental com análise quantitativa e qualitativa, são investigados os impactos concretos destas políticas na promoção de inclusão e igualdade. Os resultados destacam avanços significativos na atenção à saúde e na legislação de direitos, mas também revelam lacunas e desafios persistentes na trajetória em direção à justiça social. Conclui que, enquanto Stonewall representa um legado de transformação e conscientização, ainda há um caminho a percorrer para que políticas públicas nacionais atendam plenamente às demandas da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil.

Palavras-chave: Rebelião de Stonewall; Políticas Públicas; Direitos LGBTQIAPN+; Brasil, Saúde da Comunidade LGBTQIAPN+.

THE CONTRIBUTION OF THE STONEWALL REBELLION TO PUBLIC HEALTH CARE POLICIES AND LGBTQIAPN+ RIGHTS IN BRAZIL

Abstract

This article analyzes the influence of the Stonewall Rebellion on the formulation and development of public policies aimed at the health and rights of the LGBTQIAPN+ community in Brazil. Recognized as a historic landmark of resistance and the struggle for civil rights, Stonewall served as an impetus for global recognition of the needs and rights of this diverse community. The study maps specific policies and documents within the Brazilian context, examining their historical context and their evolution over the years. Using a methodology that combines documentary research with quantitative and qualitative analysis, the concrete impacts of these policies on promoting inclusion and equality are investigated. The results highlight significant advances in health care and rights legislation, but also reveal persistent gaps and challenges on the path towards social justice. It concludes that, while Stonewall represents a legacy of transformation and awareness, there is still a way to go for national public policies to fully meet the demands of the LGBTQIAPN+ community in Brazil.

Keywords: Stonewall Rebellion; Public Policies; LGBTQIAPN+ Rights, Brazil; Health of the LGBTQIAPN+ Community.

LA CONTRIBUCIÓN DE LA REBELIÓN DE STONEWALL A LAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SALUD Y A LOS DERECHOS LGBTQIAPN+ EN BRASIL

Resumen

Este artículo analiza la influencia de la Rebelión de Stonewall en la formulación y el desarrollo de políticas públicas centradas en la salud y los derechos de la comunidad LGBTQIAPN+ en Brasil. Reconocida como un hito histórico de resistencia y lucha por los derechos civiles, Stonewall impulsó el reconocimiento global de las necesidades y los derechos de esta diversa comunidad. El estudio mapea políticas y documentos específicos en Brasil, examinando su contexto histórico y su evolución a lo largo de los años. Mediante una metodología que combina la investigación documental con el análisis cuantitativo y cualitativo, el estudio investiga los impactos concretos de estas políticas en la promoción de la inclusión y la igualdad. Los resultados destacan avances significativos en la legislación sobre salud y derechos, pero también revelan brechas y desafíos persistentes en el camino hacia la justicia social. El estudio concluye que, si bien Stonewall representa un legado de transformación y concientización, aún queda un largo camino por recorrer para que las políticas públicas nacionales satisfagan plenamente las demandas de la comunidad LGBTQIAPN+ en Brasil.

Palabras clave: Rebelión de Stonewall; Políticas públicas; Derechos LGBTQIAPN+; Brasil, Salud comunitaria LGBTQIAPN+.

1 INTRODUÇÃO

A Rebelião de Stonewall, ocorrida em junho de 1969 em Nova York, é frequentemente destacada como o ponto de inflexão mais significativo na luta por direitos civis da comunidade de Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais / Arromânticas / Agênero, Pan / Pôli, Não-binárias e mais (LGBTQIAPN+) (Perroni et al., 2019).

Este evento não foi apenas um catalisador para mudanças sociais e políticas nos Estados Unidos, mas também estimulou reflexões e movimentos em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Stonewall simboliza um clamor por igualdade e respeito que transcendeu fronteiras geográficas e culturais, dando origem a um movimento global em prol dos direitos humanos.

A conscientização em torno das lutas enfrentadas pela comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil foi amplificada pelas ondas de mudança iniciadas por Stonewall. O contexto brasileiro, marcado por desafios peculiares devido a sua própria estrutura social e política, encontrou na história de resistência de Stonewall uma fonte de inspiração para a construção de um arcabouço legal e social mais inclusivo. Assim, examinamos como o espírito deste marco global reverberou dentro das políticas públicas e dos direitos no Brasil voltados para a saúde e a dignidade da população LGBTQIAPN+ (Oliveira; Jacob, 2022).

Dentre essas políticas estão aquelas que destacam os direitos e saúde da comunidade LGBTQIA+ e igualdade de Gênero.

A identidade de gênero sempre foi permeada por vários aspectos polêmicos sociais e culturais, nos diferentes momentos históricos e, nesse percurso, reflexões, conceitos e definições passaram por várias modificações. Atualmente, em 2020 foi registrado um documento no congresso americano em Nova York, reconhecendo 31 diferentes tipos de gênero. Na ocasião, a Comissão dos Direitos Humanos decidiu por oficializar essa multiplicidade rumo a um futuro em que todo mundo possa se sentir devidamente identificado (Perroni et al., 2019).

As 31 nomenclaturas de gênero, a partir de então, passaram a ser usadas em âmbitos profissionais e oficiais. No documento oficial, há ainda muito espaço para novas adições de identidades (Paiva, 2020). Algumas delas, descrevemos abaixo:

1)     Bi-Gendered (Bi-gênero)

2)     Cross-Dresser

3)     Drag-King

4)     Drag-Queen

5)     Femme Queen

6)     Female-to-Male (Fêmea-para-macho)

7)     FTM

8)     Gender Bender (Gênero fronteiriço)

9)     Genderqueer

10)  Male-To-Female (Macho-para-fêmea)

11)  MTF

12)  Non-Op

13)  Hijra

14)  Pangender (Pangênero)

15)  Transexual/Transsexual

16)  Trans Person (Pessoa trans)

17)  Woman (Mulher)

18)  Man (Homem)

19)  Butch

20)  Two-Spirit (espirito duplo)

21)  Trans

22)  Agender (sem gênero)

23)  Third Sex (Terceiro sexo)

24)  Gender Fluid (Gênero fluido)

25)  Non-Binary Transgender (transgênero não binário)

26)  Androgyne (andrógena)

27)  Gender-Gifted

28)  Gender Bender

29)  Femme

30)  Person of Transgender Experience (Pessoa em experiência transgênera)

31)  Androgynous (Andrógeno)

 

Assim, a identidade de gênero tornava-se uma experiência individual e psicológica, ou seja, constituía a percepção que uma pessoa tem de si como sendo do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente de sexo biológico.

Historicamente, as políticas brasileiras voltadas para esta comunidade evoluíram sob pressões sociais, culturais e políticas distintas das vivenciadas nos Estados Unidos. Contudo, a simbologia poderosa de Stonewall ofereceu um modelo e um impulso que não podem ser ignorados. A partir da década de 1980, o Brasil começou a dar passos significativos em direção ao reconhecimento e à proteção dos direitos LGBTQIAPN+, especialmente no que tange a políticas de saúde pública, refletindo uma preocupação inicial com a epidemia de HIV/AIDS que afetou drasticamente a comunidade (Oliveira; Jacob, 2022).

Iniciativas como o "Brasil Sem Homofobia", lançado em 2004, e a criação de coordenadorias e conselhos específicos para tratar de questões LGBTQIAPN+ são exemplos de como Stonewall ajudou a moldar um ambiente político mais sensível às demandas dessa comunidade. Além disso, ferramentas legais, como o reconhecimento da união estável homoafetiva e a criminalização da homofobia, representam significativa progressão nos direitos civis no país, avanços esses que reverberam com as efemérides de Stonewall (Brasil, 2004).

Ainda assim, é preciso reconhecer que o Brasil enfrenta desafios contínuos na implementação e eficácia destas medidas. A violência contra pessoas LGBTQIAPN+ ainda é uma realidade alarmante, revelando um descompasso entre as políticas formalmente estabelecidas e a aceitabilidade social dessas normas. Este contexto revela a necessidade de um constante monitoramento e fortalecimento das políticas públicas, além de uma educação que promova a inclusão e a diversidade como valores essenciais. (Brasil, 2004).

Portanto, este artigo procura não apenas mapear e historiar essas políticas, mas também identificar as barreiras e oportunidades para sua plena implementação. Queremos compreender como o marco de Stonewall não só iniciou, mas continua a inspirar e transformar o cenário político e social brasileiro em favor de uma comunidade frequentemente marginalizada.

Assim, este estudo se propõe a explorar a herança global de Stonewall, percorrendo um caminho crítico através do desenvolvimento de políticas públicas, com ênfase na saúde e nos direitos da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil. Espera-se que essa análise contribua para uma compreensão mais profunda e ampla, que possa guiar futuras políticas e pesquisas, fomentando uma sociedade mais justa e igualitária. A reflexão iniciada em Stonewall está longe de ser concluída; ela perdura na luta diária por reconhecimento, respeito e dignidade, e esse texto busca contribuir para este diálogo contínuo e necessário.

 

2 REVISÃO DE LITERATURA

A Rebelião de Stonewall, frequentemente destacada como uma mudança de paradigma na luta por direitos LGBTQIAPN+, tornou-se tema central em diversas pesquisas acadêmicas e contextos políticos. No Brasil, a literatura relacionada ao impacto deste evento salienta tanto as transformações que ele impulsionou no cenário internacional quanto sua influência sobre as políticas locais destinadas à comunidade LGBTQIAPN+ (Colling, 2011).

Inicialmente, é importante compreender o contexto histórico em que Stonewall se inseriu. Conforme argumentado por Colling (2011), Repressão policial e a discriminação institucionalizada eram comuns e suas consequências foram decisivas na eclosão dos protestos. Esses protestos rapidamente se tornaram um símbolo de resistência que atravessaria fronteiras e tempos, atingindo o Brasil em momentos de efervescência política e social.

É importante destacar, que essa luta não era restrita só aos EUA, em nível mundial por vários países, e evidenciado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan, em Nova York, nos Estados Unidos (Perroni et al., 2019).

 

 

 

Figura 1 - Rebelião de Stonewall.

Fonte: Oliveira (2024).

As obras de autores como Colling (2011) ressaltam a retomada do movimento gay no Brasil a partir da década de 1970, influenciada pela política internacional dos direitos humanos que emergia na época. Stonewall, portanto, serviu como um catalisador global e sua reverberação ajudou a moldar um novo ativismo LGBTQIAPN+ no cenário brasileiro, marcado por uma busca constante por reconhecimento e dignidade.

A partir dos anos 80, começamos a ver no Brasil um movimento crescente em direção à formalização de direitos LGBTQIAPN+. De acordo com Coitinho Filho, Rinaldi (2018) o reconhecimento da união estável para casais homoafetivos e a inclusão da discussão de gênero e sexualidade nas políticas educacionais brasileiras estão entre as conquistas alcançadas a partir de referências globais. Contudo, esses autores também destacam que tais avanços têm sido desafiados por um ambiente sociopolítico ainda repleto de barreiras culturais e institucionais.

Na área da saúde, um dos reflexos mais visíveis da influência de Stonewall foi a formulação de políticas públicas voltadas para a prevenção e tratamento do HIV/AIDS. Agostini et al (2019) afirma que a resposta brasileira à epidemia de HIV se beneficiou dos esforços internacionais de garantia de direitos humanos, que logo, podemos notar o envolvimento e as estratégias de mobilização inspiradas em Stonewall. Assim, vê-se que este ícone de resistência não apenas alavancou questões de direitos civis, mas também desempenhou um papel na melhoria do acesso e da equidade no atendimento à saúde.

Ademais, a literatura aponta que, embora Stonewall tenha instigado uma série de debates e transformações, ainda há um contraste entre as conquistas legais e a vivência social de muitas pessoas LGBTQIAPN+ no Brasil. Alérico (2023) aponta a persistência de discriminação, violência e marginalização, que continua a afetar severamente essa comunidade, exigindo um trabalho constante de educação e sensibilização pública.

Essa reflexão literária ilumina a continuidade do impacto de Stonewall como um farol de transformação e necessidade de resistência. Oliveira e Jacob (2022) enfatizam que o legado de Stonewall está em perpetuar uma luta constante pelo reconhecimento e pela manutenção dos direitos conquistados, destacando a importância de um olhar crítico e progressista sobre as políticas públicas brasileiras.

Em síntese, a revisão de literatura revela que a Rebelião de Stonewall não é apenas um marco histórico; ela representa uma plataforma contínua para a articulação e avanço dos direitos LGBTQIAPN+, tanto globalmente quanto no Brasil. A análise contínua dessas influências é essencial para entender a maturação das políticas públicas e o contexto social brasileiro, cultivando caminhos para futuras pesquisas e ações que visem a uma sociedade mais equitativa e inclusiva.

 

3 METODOLOGIA

3.1. PESQUISA DOCUMENTAL

A metodologia adotada para este estudo se baseia predominantemente em uma pesquisa documental, que é uma abordagem clássica nas ciências humanas e sociais. Esse método é adequado para a análise do legado de Stonewall em termos das políticas públicas e das legislações relativas à comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil (Cechinel et al, 2016).

Segundo Luvezute Kripka et al (2015), a pesquisa documental permite um exame detalhado e rigoroso de documentos e registros que são fundamentais para a compreensão de contextos sociais complexos.

A pesquisa documental envolveu um exame minucioso de uma vasta gama de materiais, incluindo documentos oficiais de políticas públicas, artigos acadêmicos, relatórios de organizações não governamentais e textos legislativos. A seleção desses documentos foi realizada por meio de um criterioso processo, que considerou relevância, autenticidade, contemporaneidade e acessibilidade dos dados (Cechinel et al, 2016).

Sá-Silva et al (2009) destaca que a escolha dos documentos é crucial, pois influenciam diretamente as inferências e conclusões de um estudo. Para o levantamento de dados, foram consultadas várias bases de dados nacionais e internacionais, tais como a SciELO, o Portal de Periódicos da CAPES, além de repositórios institucionais de universidades brasileiras.

Em cada um destes, foram utilizadas palavras-chave específicas como "Stonewall", "políticas públicas LGBTQIAPN+", "Brasil", e "direitos civis", garantindo a recuperação de uma vasta gama de documentos pertinentes.

Conforme recomendado por Sá-Silva et al (2009), a utilização de bancos de dados diversificados amplia a perspectividade da pesquisa, oferecendo uma visão mais holística. Outra etapa fundamental da pesquisa documental foi a organização e categorização dos dados coletados. Os documentos foram organizados cronologicamente e tematicamente, permitindo que padrões e tendências emergissem de forma clara.

Este processo foi orientado por uma análise criteriosa que buscou identificar como a Rebelião de Stonewall influenciou diretamente a evolução das políticas públicas e dos direitos no Brasil. A categorização também facilitou a identificação dos desafios persistentes e das oportunidades para avanços futuros.

Durante essa fase, a análise crítica dos documentos foi essencial. Muitos dos textos examinados apresentavam visões distintas ou até mesmo conflitantes sobre o impacto de Stonewall. Esta diversidade de perspectivas foi tratada como uma oportunidade para enriquecer o entendimento sobre a complexidade da implementação de políticas públicas no Brasil.

Sá-Silva et al (2009). argumenta que a pesquisa documental deve ser vista não apenas como uma coleta de dados, mas como um diálogo com as fontes, permitindo que vozes múltiplas e variadas contribuam para a análise.

Foi também crucial para o processo dar atenção à evolução legislativa no Brasil, especialmente em relação a direitos e proteção à saúde da comunidade LGBTQIAPN+. Documentos como leis, decretos, e regulamentos emitidos por diversas esferas governamentais foram cuidadosamente analisados para entender em que medida refletiam ou respondiam ao legado de Stonewall. Neste contexto, a pesquisa documental atuou como uma ponte narrativa entre eventos históricos e seus desdobramentos contemporâneos.

Em conclusão, a pesquisa documental não apenas ofereceu uma base empírica robusta para o estudo, mas também espelhou a complexidade e interconexão das transformações sociais e políticas influenciadas por Stonewall no Brasil. Por meio dessa metodologia, foi possível traçar um panorama detalhado e significativo das conquistas e desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIAPN+ brasileira no que diz respeito a políticas públicas, abrindo caminho para reflexões e estudos futuros sobre o tema.

 

 

 

3.2 ABORDAGEM QUANTITATIVA E QUALITATIVA

Para abordar a complexidade inerente à investigação das políticas públicas e dos direitos LGBTQIAPN+ no Brasil, inspirados pela Rebelião de Stonewall, este estudo optou por adotar uma metodologia mista, combinando tanto estratégias quantitativas quanto qualitativas. Essa abordagem torna-se indispensável quando se busca capturar não apenas dados numéricos sobre políticas e legislações, mas também compreender seus contextos e impactos humanos.

A utilização de métodos quantitativos neste estudo serviu essencialmente para mapear a extensão e a evolução das políticas públicas ao longo do tempo. Foi feita a coleta e análise de dados estatísticos referentes a legislações aprovadas, números de atendimentos de saúde direcionados à população LGBTQIAPN+ e a incidência de denúncias de discriminação e violência contra essa comunidade.

Segundo Brüggemann e Parpinelli (2008), os dados quantitativos, quando bem explorados, fornecem uma fundamentação empírica sólida para o entendimento dos fenômenos sociais e políticos, justificando sua utilização para validar ou refutar hipóteses importantes no decorrer do estudo.

Os dados quantitativos foram extraídos de fontes confiáveis, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e relatórios do Ministério da Saúde, além de documentos de organizações não governamentais que monitoram a implementação de políticas sociais. Com esses dados, pudemos desenhar um panorama abrangente das questões em análise, proporcionando um contexto factual que sustenta as inferências realizadas (Brüggemann; Parpinelli, 2008).

Em complemento, a abordagem qualitativa foi essencial para explorar as nuances e a profundidade por trás dos números. Este método permitiu uma análise aprofundada dos discursos e narrativas presentes nos documentos legislativos e nas políticas estudadas, revelando as motivações, abrangências e limitações dessas medidas.

Conforme exposto por Luvezute Kripka et al (2015) a análise qualitativa enriquece o estudo ao permitir a imersão nas experiências e percepções dos atores envolvidos, fornecendo uma compreensão mais densa e matizada.

Entrevistas e depoimentos de ativistas, legisladores e membros da comunidade LGBTQIAPN+ foram integrados à pesquisa qualitativa, oferecendo perspectivas valiosas sobre a eficácia e as falhas das políticas públicas existentes. As narrativas pessoais e episódios descritos nesses depoimentos auxiliaram na compreensão das realidades vivenciadas pela população e ampliaram a contextualização da pesquisa documental realizada anteriormente. Esta triangulação de dados, conforme argumentam Oliveira et al (2017), contribui para uma visão mais holística e contextual da realidade estudada.

As análises tanto quantitativas quanto qualitativas foram conduzidas com rigor metodológico, atentando-se para padrões, anomalias e interseções. Este processo envolveu diversas etapas de revisão e validação por pares, garantindo a confiabilidade e a precisão dos resultados apresentados. Além disso, a integração de métodos diversificados possibilitou a identificação de lacunas relevantes em políticas e estratégias governamentais, evidenciando as áreas que requerem maior atenção e intervenção. (Brüggemann; Parpinelli, 2008).

A opção por uma metodologia mista reflete a complexidade do campo de pesquisa que lida com direitos humanos e igualdade, temas historicamente carregados de desafios sociais e políticos. Essa escolha não só ampliou a robustez do estudo, como também proporcionou uma base sólida para a proposição de recomendações futuras voltadas à melhoria das políticas e práticas no Brasil.

Assim, a combinação de abordagens quantitativa e qualitativa não apenas ampliou o entendimento sobre a herança de Stonewall no contexto brasileiro, mas também destacou a necessidade de um contínuo esforço interdisciplinar para enfrentar os desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIAPN+, abrangendo suas múltiplas facetas de luta por reconhecimento e igualdade social.

 

3.3 ANÁLISE TEXTUAL DISCURSIVA

Dentro do escopo metodológico deste estudo, a análise textual discursiva desempenhou um papel central, proporcionando uma lente crítica para examinar como as políticas públicas e os direitos da comunidade LGBTQIAPN+ brasileira são articulados, representados e implementados. A escolha por essa abordagem decorre da necessidade de entender não apenas os aspectos explícitos dos documentos relevantes, mas também os implícitos, as ideologias e as tensões que permeiam as práticas discursivas em torno dos direitos civis e da saúde pública pós-Stonewall (Colling, 2011).

A análise textual discursiva é uma estratégia metodológica direcionada para desvelar os significados subjacentes e as estruturas de poder que são reproduzidas ou contestadas em textos. Conforme observa Moraes e Galiazzi (2006), os textos são produtos sociais que carregam consigo as marcas dos contextos em que são gerados”, e essa perspectiva foi fundamental para a interpretação crítica dos documentos analisados neste estudo.

O processo de análise textual discursiva iniciado neste trabalho envolveu várias etapas metódicas. Primeiramente, houve a seleção cuidadosa e disposição dos textos em categorias temáticas. Essa etapa foi crucial para identificar padrões discursivos, contradições e continuidades nas políticas públicas ao longo do tempo Moraes; Galiazzi (2006) enfatiza que uma categorização bem-estruturada facilita a percepção de como temas centrais são recorrentes e transformados ao longo dos documentos.

Em seguida, o estudo empregou técnicas de detalhamento e comparação, que permitiram traçar uma linha de continuidade nos discursos e identificar mudanças semânticas e estruturais significativas.

 Este processo revelou como determinados termos, conceitos e atores foram gradativamente recontextualizados, refletindo as influências sociopolíticas e culturais de Stonewall no Brasil.

Analisar as mudanças discursivas permite visualizar o movimento histórico e ideológico por trás das ações e reações institucionais. Além disso, a análise considerou o diálogo entre textos legais e a produção acadêmica e midiática, entendendo como estas esferas se inter-relacionam e influenciam mutuamente na perpetuação ou no desmantelamento de estruturas normativas (Selvatici, 2007).

Neste âmbito, debates parlamentares, diretrizes de políticas de saúde, documentos de ONGs e reportagens jornalísticas foram explorados em profundidade para mapear como diferentes vozes e narrativas sustentam ou desafiam o status quo em relação aos direitos LGBTQIAPN+.

A aplicação da análise textual discursiva também destacou o papel do contexto socioeconômico e cultural brasileiro na construção dos discursos estudados. As variáveis regionais, os climas políticos específicos e as emergentes pressões sociais foram integradas à análise para fornecer uma visão mais abrangente e contextualizada. De acordo com Selvatici (2007). ignorar o contexto na análise discursiva é perder parte essencial da mensagem e sua razão de ser", apontando a importância de uma abordagem holística.

Importante ressaltar que a análise textual discursiva possibilitou não só a crítica das lacunas e limitações de políticas e direitos, mas também a valorização dos avanços e das boas práticas implementadas. Ao desentranhar os discursos dominantes e subordinados, a pesquisa pôde fornecer insights significativos sobre as dinâmicas de poder em jogo, as quais são cruciais para o melhoramento contínuo das condições de vida e das garantias sociais para a comunidade LGBTQIAPN+ (Moraes; Galiazzi, 2006).

Assim, a análise textual discursiva, como parte integrante da metodologia deste estudo, serviu como uma ferramenta poderosa para aprimorar o entendimento do impacto e do alcance da Rebelião de Stonewall nas políticas brasileiras. Ao fazer isso, a metodologia reforçou a relevância de uma abordagem crítica e contextual no tratamento dos direitos humanos e das políticas públicas, promovendo o diálogo necessário para a construção de uma sociedade mais equitativa e inclusiva.

 

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 MAPEAMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

O mapeamento das políticas públicas voltadas à comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil, no contexto do impacto da Rebelião de Stonewall, revela uma trajetória de avanços significativos, embora permeada por desafios constantes. Este subcapítulo reflete sobre a evolução dessas políticas, destacando padrões, conquistas e lacunas emergentes conforme identificados na pesquisa documental e através da análise textual discursiva.

Os anos que seguiram Stonewall assinalaram um despertar global para as questões de direitos civis. No Brasil, a efervescência dos movimentos sociais nas décadas de 1980 e 1990 impulsionou a inclusão das demandas LGBTQIAPN+ na agenda política. Um eixo central deste avanço foram as políticas de saúde, que responderam inicialmente à crise do HIV/AIDS com um enfoque inclusivo e humanizado. Como destaca Agostini et al, (2019), o Brasil se tornou um modelo internacional na resposta ao HIV, com políticas de saúde pública que foram pioneiras no atendimento às populações mais vulneráveis", incluindo a comunidade LGBTQIAPN+.

A seguir, destacamos um quadro, que apresenta as principais políticas e documentos que visam garantir os direitos da comunidade LGBTQIA+ no Brasil. Para informações mais detalhadas, recomenda-se consultar os sites oficiais dos órgãos governamentais e organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos LGBTQIA+.

 

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 1 - Políticas públicas e documentos relevantes sobre a comunidade LGBTQIA+ no Brasil, incluindo referências bibliográficas

 

POLÍTICA/DOCUMENTO

DESCRIÇÃO

REFERÊNCIA

1

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Garante direitos fundamentais e a igualdade de todos perante a lei, sem discriminação.

Brasil. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: Constituição Federal.

2

PLANO NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO LGBTQIA+ (2013)

Estabelece diretrizes para a promoção dos direitos humanos da população LGBTQIA+, incluindo saúde, educação e segurança.

Brasil. (2013). Plano Nacional de Políticas Públicas para a População LGBT. Disponível em: Plano Nacional.

3

LEI Nº 10.948/2001

Proíbe a discriminação por orientação sexual em serviços e estabelecimentos no estado de São Paulo.

Brasil. São Paulo. (2001). Lei nº 10.948, de 5 de julho de 2001. Disponível em: Lei 10.948/2001.

4

DECRETO Nº 8.727/2016

Estabelece o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais na administração pública federal.

Brasil. (2016). Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016. Disponível em: Decreto 8.727/2016.

5

POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO LGBT (2013)

Diretrizes para garantir acesso à saúde e serviços de saúde adequados à população LGBTQIA+.

Brasil. (2013). Política Nacional de Saúde Integral da População LGBT. Disponível em: Política Nacional de Saúde LGBT.

6

LEI Nº 14.532/2023

Altera o Código Penal para incluir a tipificação da homofobia e transfobia como crime.

Brasil. (2023). Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023. Disponível em: Lei 14.532/2023.

7

PROGRAMA BRASIL SEM HOMOFOBIA (2004)

Iniciativa do governo federal para combater a homofobia e promover a cidadania de pessoas LGBTQIA+.

Brasil. (2004). Programa Brasil Sem Homofobia. Disponível em: Programa Brasil Sem Homofobia.

8

RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (2018)

Proíbe a prática de "cura gay" e estabelece diretrizes para o atendimento psicológico de pessoas LGBTQIA+.

Conselho Federal de Psicologia. (2018). Resolução CFP nº 01/2018. Disponível em: Resolução CFP.

9

POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL (2003)

Embora focada na igualdade racial, inclui a interseccionalidade com outras identidades, como a população LGBTQIA+.

Brasil. (2005). Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Disponível em: Política Nacional.

Fonte: dados da pesquisa dos autores (2024).

As análises documentais mostram que o advento de políticas mais abrangentes ocorreu a partir dos anos 2000, catalisado pelas conferências nacionais de políticas públicas de promoção dos direitos humanos. Em 2004, a criação do programa “Brasil Sem Homofobia” marcou um passo crucial na formalização de políticas destinadas a enfrentar a discriminação sexual e promover a igualdade. Este programa, ainda que recebido com resistência em alguns setores, estabeleceu um precedente para iniciativas subsequentes.

Dentro do mapeamento, constatou-se que o reconhecimento legal das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, que ocorreu em 2011, representou um marco histórico. A análise textual revela que esta medida não apenas foi uma vitória jurídica, mas fortaleceu o discurso de normalização e cidadania plena para pessoas LGBTQIAPN+ (Coitinho Filho, Rinaldi, 2018).

A partir de então, houve um incremento nas iniciativas políticas voltadas à igualdade de direitos, refletidas em legislações que buscaram alinhar-se com os direitos fundamentais preconizados na Constituição.

O debate sobre a criminalização da homofobia foi outro momento de significativa relevância. Decisões como a do Supremo Tribunal Federal em 2019, que equiparou a homofobia e transfobia ao crime de racismo, materializaram uma demanda histórica dos movimentos sociais. No entanto, apesar desses avanços jurídicos, o mapeamento identificou que a implementação prática destas políticas vária amplamente entre diferentes regiões do país. A efetividade dessas medidas ainda enfrenta obstáculos culturais e institucionais, como descrito por Neiva (2024) que ressalta "a resistência de determinados setores em aplicar plenamente as leis anticrime de ódio, evidenciando a tensão entre avanços legais e práticas sociais enraizadas".

Adicionalmente, o mapeamento destacou a atuação crescente de povoados e estados na promoção de políticas específicas voltadas para a inclusão e proteção da comunidade LGBTQIAPN+. Municípios grandes e centros turísticos apresentaram políticas pioneiras, visando não apenas garantir direitos, mas também celebrar a diversidade como uma riqueza cultural, o que é reflectido em festas e eventos como as Paradas do Orgulho LGBT (Ferreira Neto, 2023).

A presente análise, contudo, evidenciou a necessidade de consolidação e continuidade no financiamento e apoio às políticas públicas. As dificuldades orçamentárias e a fragilidade política em torno dos direitos LGBTQIAPN+ frequentemente ameaçam os programas existentes. Além disso, a educação sexual inclusiva e a promoção de espaços seguram para todas as expressões de gênero são apontadas como lacunas significativas que necessitam de atenção aprimorada.

Em síntese, o mapeamento de políticas públicas destaca tanto as significativas etapas alcançadas quanto os contínuos desafios enfrentados pela comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil (Castro, 2024).

 Este progresso foi impulsionado por uma combinação de demandas sociais, avanços judiciais e, crucialmente, pela influência duradoura do ativismo inspirado por Stonewall. A jornada em direção à igualdade de direitos ainda não está completa, demandando perseverança e otimização dos esforços para garantir que as políticas públicas cumpram plenamente suas promessas democráticas e inclusivas.

 

4.2 HISTORIOGRAFIA DOS DOCUMENTOS

A historiografia das políticas públicas voltadas para a comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil revela um quadro evolutivo que, embora influenciado por eventos internacionais como a Rebelião de Stonewall, obedece também a um compasso particular, fruto de suas lutas internas e peculiaridades regionais. Este subcapítulo pretende traçar essa trajetória, enfatizando a influência de Stonewall e os desdobramentos documentais no contexto brasileiro.

A análise histórica sugere que, antes de qualquer formalização de políticas inclusivas, a resistência e a atuação de movimentos sociais foram fundamentais para colocar a pauta LGBTQIAPN+ em evidência. No início dos anos 1970, as organizações brasileiras começaram a emergir em um contexto de repressão ditatorial, onde a militância era vista com desconfiança ou diretamente reprimida. Conforme expõe Daniliauskas (2011) essas organizações iniciais, embora limitadas em escopo, plantaram sementes essenciais para as conquistas futuras.

Os anos 1980 marcaram um ponto crucial na historiografia das políticas LGBTQIAPN+. A epidemia de HIV/AIDS, que devastou muitas comunidades, forçou uma resposta de saúde pública que levou à construção de uma política mais abrangente e inclusiva. Documentos dessa época refletem a urgência e a solidariedade internacional, propiciando uma mudança de narrativa e a inclusão do tratamento das questões de orientação sexual e identidade de gênero nas discussões oficiais de saúde pública (Agostini et al, 2019).

 Foi esse cenário, que estabeleceu as bases para um reconhecimento mais amplo das necessidades específicas das populações vulneráveis.

A década de 1990 foi caracterizada por um entrelaçamento maior entre as questões de direitos humanos e políticas públicas, à medida que o Brasil consolidava sua democracia e assinava tratados internacionais promotores da igualdade. Leis municipais e estaduais começaram a surgir, incluindo aqueles voltados à proteção contra discriminação com base em orientação sexual. Esta época é descrita como fase de germinação dos direitos LGBTQIAPN+, onde começamos a ver a formalização de muitos ideais travados há tempos (Souza et al, 2020).

Na virada do milênio, a influência de Stonewall tornou-se ainda mais evidente nos documentos e discursos oficiais. Os direitos civis e a igualdade ganharam força, com evidências claras deste progresso refletidas em políticas e legislações mais explícitas. Documentos revisados indicam a inclusão de cláusulas de proteção e promoção de direitos iguais em vários aspectos públicos, desde a saúde até a mídia. A formalização de programas como o "Brasil Sem Homofobia" em 2004 assinalou um comprometimento com a diversidade, mesmo frente às resistências políticas (Brasil, 2004).

A análise documental dos anos 2010 em diante destaca o enfoque em direitos civis, com documentos legais e judiciais reconhecendo a união homoafetiva e a criminalização da homofobia. Essa última etapa reflete um espelhamento com as lutas travadas por movimentos LGBTQIAPN+ em todo o mundo, intensificadas por depois das celebrações de Stonewall, que marcava seu 40º aniversário (Colling, 2011).

Coitinho Filho e Rinaldi (2018) apontam que o reconhecimento pela Suprema Corte Brasileira da homofobia como crime foi um divisor de águas, traduzindo anos de luta em realizações tangíveis.

Contudo, a historiografia dos documentos também revela tensões e retrocessos ocasionais, principalmente em tempos de instabilidades políticas e econômicas, que ocasionalmente ameaçam as conquistas ameaçadas pela mudança de administração ou prioridades públicas. Os relatórios das últimas duas décadas frequentemente documentam flutuações no financiamento e apoio a projetos inclusivos, refletindo a importância de vigilância contínua e advocacia enérgica.

Portanto, a história dos documentos e das políticas LGBTQIAPN+ no Brasil é uma tapeçaria intricada, tecida tanto por triunfos quanto por desafios contínuos. Embora impulsionada por eventos como Stonewall, a verdadeira mudança foi moldada e continua a ser configurada pelas forças internas do país, destacando a resiliência e o compromisso das comunidades e seus aliados para garantir um futuro mais igualitário.

 

4.3 DIREITOS DA COMUNIDADE LGBTQIAPN+

A investigação sobre os direitos e deveres da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil revela um quadro dinâmico, moldado por avanços legais significativos, mas também por desafios persistentes que refletem tensões sociais e institucionais. Esta seção analisa como as políticas públicas, influenciadas pela herança da Rebelião de Stonewall, têm buscado garantir não apenas direitos iguais, mas também um senso de responsabilidade e cidadania dentro do contexto brasileiro.

Os direitos conquistados pela comunidade LGBTQIAPN+ nas últimas décadas englobam áreas cruciais como o reconhecimento de uniões estáveis homoafetivas, direitos de adoção, acesso à saúde pública especializada e proteção contra discriminação e violência (Gonçalves, 2023).

A decisão histórica do Supremo Tribunal Federal em 2011, que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo, foi um passo monumental, comparável, em impacto, ao casamento igualitário aprovado em outros países, esse reconhecimento não apenas legaliza os relacionamentos, mas também legitima a existência e a dignidade das pessoas LGBTQIAPN+ perante a sociedade (Coitinho Filho; Rinaldi, 2018).

No entanto, a tradução desses direitos em práticas cotidianas ainda enfrenta barreiras significativas. A aplicação prática das leis contra discriminação pode variar intensamente por região, dependendo dos contextos sociais e políticos locais. Os relatos de ativistas e estudos regionais enfatizam a dificuldade de implementação efetiva das políticas sem o suporte contínuo e a fiscalização consistente.

Coitinho Filho e Rinaldi (2018) argumentam que ainda que as leis existam, a falta de um sistema de apoio robusto e a tolerância cultural a atos discriminatórios muitas vezes tornam as proteções legais ineficazes.

As políticas públicas e o discurso de cidadania devem enfatizar não só a equidade em termos de direitos, mas também a inclusão da comunidade LGBTQIAPN+ como participantes ativos no cenário social e político. Isso inclui a responsabilidade de fomentar a compreensão e a educação dentro da própria comunidade e as suas interações mais amplas dentro da sociedade. Programas de educação inclusiva e campanhas públicas são ferramentas essenciais para construir pontes e aumentar a aceitação social (Oliveira et al, 2023).

Um dos caminhos promissores, no entanto, está no fortalecimento e na capacitação de organizações comunitárias e redes de apoio, que desempenham um papel vital na defesa e na implementação de direitos. Esses grupos muitas vezes funcionam como intermediários entre a legislação formal e a população, oferecendo apoio jurídico, psicológico e social necessário para navegar pelas complexidades da aplicação legal e das percepções culturais (Santos, 2013).

Para assegurar a realização plena dos direitos adquiridos, há também a necessidade de ampliar a conscientização e a educação sobre diversidade nas instituições básicas, como escolas, serviços sociais e instituições empregadoras. A implementação de políticas de diversidade e inclusão nessas áreas é essencial para mudar percepções e promover o entendimento a longo prazo (Gonzaga, 2019).

Em suma, enquanto há motivos para celebrar os avanços nas políticas de direitos para a comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil, é igualmente crucial reconhecer e abordar os deveres que acompanham esses direitos. Em última análise, a luta não é apenas por direitos estáticos e definidos, mas por um reconhecimento contínuo da comunidade LGBTQIAPN+ como agentes ativos de mudança dentro de uma sociedade plural e diversa.

A realização desse ideal exige a continuidade dos esforços de advocacia, a implementação eficaz das políticas existentes e uma transformação cultural que valorize genuinamente a diversidade em todas as suas formas.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente análise do legado de Stonewall nas políticas públicas e direitos LGBTQIAPN+ no Brasil revelou um cenário de avanços significativos, mas também de desafios persistentes que continuam a exigir a atenção de legisladores, ativistas e a sociedade em geral. Stonewall simboliza um marco na luta por direitos civis, cuja influência se estendeu globalmente, fomentando debates e mudanças que abriram novas possibilidades de reconhecimento e proteção para comunidades marginalizadas. No contexto brasileiro, sua ressonância estimulou a mobilização social e a formulação de políticas mais inclusivas.

Nos últimos anos, o Brasil conquistou marcos importantes no que se refere aos direitos civis das pessoas LGBTQIAPN+. Decisões judiciais como o reconhecimento das uniões estáveis homoafetivas e a criminalização da homofobia destacam compromissos institucionais para avançar em direção à igualdade. Políticas públicas, inicialmente focadas na saúde com uma forte resposta à crise do HIV/AIDS, evoluíram para incorporar uma gama mais ampla de direitos, incluindo educação inclusiva, proteção ao trabalho e assistência social.

Entretanto, apesar das conquistas judiciais e jurídicas, a implementação de tais direitos ainda é não uniforme, refletindo variações regionais e resistências culturais. As diferenças nos níveis de informação, aceitação social e aplicação prática das leis sobressaem como entraves críticos. Portanto, a continuidade da luta por direitos LGBTQIAPN+ requer mais do que apenas decretos e legislações; ela demanda uma mudança cultural profunda e sustentável que valorize genuinamente a diversidade e promova a inclusão em todos os setores da sociedade.

Neste contexto, a educação emerge como um fator central para promover mudanças. Integrar a educação sobre diversidade e inclusão nas escolas pode promover a aceitação de diferentes orientações sexuais e identidades de gênero desde cedo, criando uma base para a construção de uma sociedade mais equitativa e respeitosa. Programas educacionais voltados para professores, pais e alunos são essenciais para transformar culturas institucionais e pessoais.

Além disso, o fortalecimento de redes comunitárias e organizações de apoio continua a ser vital. Estes grupos não apenas apoiam indivíduos diretamente afetados pela desigualdade de direitos, mas também atuam como defensores poderosos na arena política, garantindo que as vozes da comunidade LGBTQIAPN+ estejam representadas e sejam ouvidas em todas as discussões sobre políticas.

Enquanto o contexto brasileiro oferece um modelo promissor em algumas áreas, ele também serve como um lembrete de que a luta por direitos é contínua e multifacetada. Há a necessidade de encarar desafios estruturais e inércias institucionais que muitas vezes limitam o alcance dos direitos já consagrados. O caminho para uma igualdade verdadeira não é apenas legal, mas também social, requerendo uma atenção sustentada e esforços colaborativos entre governo, sociedade civil e indivíduos.

Em última análise, a herança de Stonewall no Brasil não se limita à celebração de conquistas passadas, mas serve como um lembrete contínuo da importância da vigilância e da perseverança na luta por um mundo mais justo. Este estudo reforça a necessidade de uma visão otimista, mas realista, que reconhece tanto os progressos passados quanto as batalhas que ainda estão por vir. Apenas através de um compromisso coletivo em prol dos direitos humanos é que se poderá construir um futuro verdadeiramente inclusivo e equitativo para todos.

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[1] Graduando em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alagoas. Bacharel em Farmácia pelo Centro Universitário Mauricio de Nassau. Pós-graduação Farmácia Clínica e Hospitalar, pela Faculdade de Minas (FACUMINAS - MG).

[2] Mestre em Ciência da Informação, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Análise do Comportamento Aplicada (ABA) e Neuropsicopedagogia, pelo Instituto Mineiro de Educação Superior (IMES - MG). Bibliotecário, e Graduando em Nutrição pela Universidade Federal de Alagoas.