BIBLIOTECA ESCOLAR E PROMOÇÃO DA SAÚDE
panorama da atuação dos bibliotecários escolares da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis
Daniela Capri [1]
Universidade Federal de Santa Catarina
Eliana Maria dos Santos Bahia Jacintho[2]
Universidade Federal de Santa Catarina
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Resumo
Este trabalho discute a percepção e participação dos bibliotecários escolares da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis nas ações de promoção dasaúde das escolas. Foi realizado questionário online com os diretores para levantar as iniciativas desenvolvidas e entrevista com os bibliotecários para entender sua participação. Constatou-se que as escolas promovem iniciativas de saúde, mas os bibliotecários geralmente não participam e desconhecem essas ações. No entanto, os bibliotecários desenvolvem,de forma autônoma ou em parceria com professores, ações voltadas para a saúde e bem-estar dos estudantes. É relatada falta de recursos e de capacitação para abordar temas de saúde de maneira eficaz.
Palavras-chave: saúde na escola; promoção da saúde; biblioteca escolar; bibliotecário.
SCHOOL LIBRARY AND HEALTH PROMOTION
overview of the role of School Librarians in the Municipal Education Network of Florianópolis
Abstract
This paper debates the perception and participation of school librarians in health promotion actions at schools in the Florianópolis Municipal Education Network. An Online Questionnaire was carried out with principals to identify the initiatives developed and an interview was conducted with librarians to understand their participation. It was observed that health initiatives are promoted in schools, but librarians generally do not participate and are unaware of these actions. However, librarians do develop actions focused on student health and well-being, either independently or inpartnership with teachers. There is a reported lack of resources and training to approach health issues effectively.
Keywords: schoolhealth; health promotion; school library; librarian.
BIBLIOTECA ESCOLAR Y PROMOCIÓN DE LA SALUD
panorama del papel de los bibliotecarios escolares en la Red Educativa Municipal de Florianópolis
Resumen
Este artículo analiza la percepción y la participación de los bibliotecarios escolares en las acciones de promoción de la salud en las escuelas de la Red Educativa Municipal de Florianópolis. Se realizó una encuesta en línea a los directores para identificar las iniciativas desarrolladas y se entrevistó a los bibliotecarios para comprender su participación. Se observó que se promueven iniciativas de salud en las escuelas, pero los bibliotecarios generalmente no participan y desconocen estas acciones. Sin embargo, los bibliotecarios sí desarrollan acciones centradas en la salud y el bienestar de los estudiantes, ya sea de forma independiente o en colaboración con los docentes. Se reporta una falta de recursos y capacitación para abordar los problemas de salud de manera efectiva.
Palabras clave: salud escolar; promoción de la salud; biblioteca escolar; bibliotecario.
1 INTRODUÇÃO
Antes de discutir o papel do bibliotecário na promoção da saúde é importante definirmos o que é saúde? A saúde é um direito garantido internacionalmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) e nacionalmente pela Constituição Federal (Brasil, 1988). Para aprofundar essa discussão, é essencial compreender o conceito de saúde aplicado neste trabalho. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2006), a saúde é "um estado de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade". Laurell (1982) caracteriza a saúde-doença como um processo social, onde as condições de saúde de uma população estão diretamente relacionadas ao ambiente, bem como aos fatores históricos e sociais. A autora argumenta que melhorar a saúde comunitária vai além das práticas médicas; é necessário entender como as pessoas interagem entre si e com o meio ambiente e atuar de forma coletiva (Laurell, 1982).
Com o surgimento do conceito ampliado de saúde, na 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) de 1986, passaram a ser componentes para se ter uma boa saúde a alimentação, as condições de habitação, de educação, a renda, dentre outros fatores sociais que implicam diretamente no bem-estar dos seres humanos. Ao compreender que quando falamos de saúde não estamos falando apenas de tratar doenças, é preciso pensar que para que exista uma melhora na saúde tanto individual quanto coletiva é necessário participação de diversos setores da sociedade, é fundamental que as ações que buscam a saúde da população sejam intersetoriais.
Uma das estratégias do setor da saúde que busca melhorar a qualidade de vida da população é a promoção da saúde (PS). As ações de promoção da saúde devem considerar os determinantes sociais da saúde e seu impacto na qualidade de vida. Esses determinantes incluem fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos, comportamentais e ambientais que influenciam o processo saúde-doença. Para que as práticas de PS ocorram de forma mais efetiva, é importante que sejam elaboradas e executadas de forma intersetorial e com o comprometimento de todos os atores (Brasil, 2012).
Como resultado desta intersetorialidade, a educação é um dos campos que historicamente trabalha em parceria com a saúde. Embora de início tenha sido utilizada em prol de uma cultura higienista e da puericultura, com o passar dos anos sua atuação foi evoluindo juntamente com o conceito de saúde e de promoção da saúde (PS) (Figueiredo; Machado; Abreu, 2020). As escolas, como principais espaços de atuação do setor Educação, possuem além da sua função de ensino, um espaço de socialização e construção da identidade fora da família, e são encarregadas de criar condições para a produção e acesso ao conhecimento socialmente produzido, neste sentido se mostram um ambiente propício para práticas de PS. Para que atividades realizadas na escola alcancem todo seu potencial é indispensável a integração dos diferentes setores e disciplinas, para isso, as iniciativas de promoção e educação em saúde precisam englobar todos os atores e ambientes da comunidade escolar.
A biblioteca escolar (BE) é um espaço fundamental que necessita ser incluído nas ações de promoção da saúde, pois sua missão é oferecer "serviços de apoio à aprendizagem e livros aos membros da comunidade escolar, proporcionando-lhes a possibilidade de se tornarem pensadores críticos e usuários efetivos da informação, em todos os formatos e meios" (IFLA, 1999, p. 1). A Lei nº 14.837 de 2024 (Brasil, 2024), que altera a Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, redefine a BE como um equipamento cultural obrigatório, estabelece seus objetivos, prevê sua universalização e cria o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE). Além disso, estabelece a participação ativa do bibliotecário nesses espaços.
Esse avanço é significativo, pois, além de ampliar o conceito de biblioteca, destaca a importância da profissão do bibliotecário, enfatizando que os ambientes não se sustentam sozinhos. São necessárias pessoas, profissionais capacitados, para gerir e administrar esses espaços, tornando-os efetivamente úteis e relevantes para suas comunidades. Por sua capacidade de articular diferentes áreas e por sua função de mediador, o bibliotecário escolar é um profissional com potencial para atuar na promoção da saúde e bem-estar. Contudo, ao realizar uma busca prévia sobre o tema percebe-se que são poucos os estudos que abordam esta temática da saúde e bibliotecas escolares. Considerando o adoecimento da população e a discussão da relevância das bibliotecas escolares em voga, acreditamos ser importante entender como estes dois campos podem colaborar com a construção da justiça social.
Como objetivo central da pesquisa, buscou-se compreender se os bibliotecários escolares da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RMEF) consideram que podem contribuir para a promoção da saúde nas escolas. Para isso foram identificadas iniciativas de atenção primária à saúde desenvolvidas nas escolas municipais de Florianópolis e paralelamente discutiu-se acerca da percepção dos bibliotecários escolares da RMEF sobre seu papel na promoção da saúde da comunidade.
2 METODOLOGIA
O trabalho foi realizado com dois públicos distintos: os diretores das escolas municipais de Florianópolis e os bibliotecários escolares. A coleta de dados com os diretores foi realizada por meio de questionário enviado por e-mail, visando listar quais iniciativas de promoção da saúde são realizadas na totalidade das escolas, com e sem a parceria do Programa Saúde na Escola (PSE).
A coleta com os bibliotecários, por buscar maior aprofundamento, foi realizada em duas etapas: 1) entrevista, que buscou entender a perspectiva e o entendimento dos profissionais sobre saúde, qual sua atual contribuição e o potencial de sua atuação neste campo dentro das escolas. Por se tratar de um tema amplo e ainda pouco estudado no contexto do profissional bibliotecário na área escolar, foi selecionada a entrevista semiestruturada, sendo organizado um roteiro, para servir como uma estrutura inicial “[...] de assuntos ou perguntas e o entrevistador tem a liberdade de fazer outras perguntas para precisar conceitos ou obter mais informações sobre temas desejados (isto é, nem todas as perguntas estão predeterminadas)” (Hernández Sampieri; Fernández Collado; Baptista Lucio, 2013, p. 426); 2) questionário, enviado via e-mail após a entrevista foi utilizado para entender melhor o perfil dos entrevistados. Optou-se por utilizar dois instrumentos para que a entrevista focasse na percepção do profissional sobre o assunto estudado e para que não ficasse muito extensa e cansativa.
O universo da pesquisa foi constituído pela Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RMEF), a qual é formada por três diferentes níveis de ensino, os Núcleos de Educação Infantil Municipais (NEIM), as Escolas Básicas Municipais (EBM) e a Educação de Jovens e Adultos (EJA). O foco desta pesquisa está nas Escolas Básicas Municipais (EBM), onde estão alocados os bibliotecários concursados da rede municipal de ensino que fazem parte do Departamento de Bibliotecas Escolares e Comunitárias (DEBEC). Em 2022, quando foi iniciada a pesquisa, a rede de bibliotecas escolares contava com 30 bibliotecários, para atender 37 unidades educativas. Destes 30 profissionais, 27 atuavam dentro de escolas de educação fundamental, dois na biblioteca central da Secretaria Municipal de Educação (SME), no Centro de Educação Continuada, e um no Polo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) (Florianópolis, 2021).
Hernández Sampiere, Fernández Collado e Baptista Lucio (2013) defendem que na pesquisa qualitativa não existem parâmetros definidos para definir o tamanho da amostra, no entanto, os autores sugerem que quando aplicadas pesquisas em profundidade sejam analisados entre seis e dez casos. Para entender o panorama da promoção da saúde nas escolas e o papel do profissional bibliotecário nestas ações, foram selecionadas 13 escolas básicas da rede municipal, que no momento da definição da amostra representava a metade das unidades educativas com bibliotecário.
Para definir as escolas selecionadas para a amostra foi utilizado o critério de representatividade geográfica. Florianópolis possui cinco regiões geográficas, norte, sul, leste, central e continental. Buscando a participação de todas as regiões, foram selecionadas três escolas das regiões: norte, sul, leste e central. Na região continental não foi possível realizar a pesquisa em três escolas, pois existe apenas uma escola municipal na região, sendo ela incluída na amostra. Para definir quais seriam as três escolas selecionadas em cada região, foram utilizados como critérios de seleção, nesta ordem, os seguintes pontos: 1) Escolas com alunos de 1º a 9º ano (Ensino Fundamental I e II); 2) Escolas próximas aos Centros de Saúde com maior número de registro de atendimentos em 2021; 3) Escolas com bibliotecário atuante há mais de três anos (ter cumprido o estágio probatório) na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis; 4) No caso de duas escolas, no mesmo bairro, se enquadrarem em todos os critérios anteriores, foi selecionada a que possuía maior número de alunos.
O contato inicial com bibliotecários e diretores foi realizado por e-mail. No primeiro e-mail enviado aos diretores foi verificado o interesse em participar da pesquisa. O índice de retorno dos diretores a este primeiro e-mail foi extremamente baixo, mesmo após recorrentes tentativas. Apenas três diretores responderam de forma positiva ao e-mail, para estes foi enviado um segundo e-mail com o link para o questionário a ser aplicado com os diretores. Embora tenhamos obtido três respostas ao formulário, uma das respostas foi inutilizada pois o respondente não retornou o TCLE assinado. Com relação aos bibliotecários, quatro bibliotecários optaram por não participar da pesquisa, e em uma das escolas o bibliotecário estava afastado, excluindo esta unidade educativa da amostra. Dos oito bibliotecários que aceitaram participar da pesquisa não foi possível realizar a entrevista via vídeo chamada com todos, três profissionais preferiram participar recebendo o roteiro de entrevista e respondendo-o. Dois responderam de maneira escrita e um optou por responder via áudio do WhatsApp. Obteve-se como amostra para coleta final dos dados oito bibliotecários e dois diretores, resultando em um total de 9 unidades educativas participantes. Por se tratar de pesquisa com seres humanos foram cumpridos todos os preceitos éticos, a aprovação da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis e do Comitê de Ética e Pesquisa da UFSC por meio do parecer n. 5.568.783.
Para análise dos dados das entrevistas foi realizada transcrição. Para orientar o processo de estruturação das informações dos questionários e entrevistas foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin (2011), seguindo as três etapas propostas pela autora: 1) Pré-análise; 2) Exploração do material; 3) Tratamento dos resultados, inferências e interpretação.
3 RESULTADOS DA PESQUISA
Como primeira etapa para obter uma visão real das possibilidades de atuação dos bibliotecários na promoção da saúde na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RMEF), foi investigada a realidade da promoção da saúde dentro das escolas por meio de questionário online aplicado com os diretores. Embora o número de respondentes válidos seja muito baixo, indicaremos as respostas obtidas pelos dois diretores para iniciar a discussão do que acontece nas escolas e o que poderia ser desenvolvido em conjunto com o bibliotecário e a biblioteca escolar.
Visando entender como ocorre a promoção da saúde nas escolas foram realizados dois blocos de perguntas, um que investigava as ações desenvolvidas em parceria com o Programa Saúde na Escola (PSE) e outro que indagava sobre as iniciativas realizadas por iniciativa da própria escola. No bloco sobre o PSE, a primeira questão foi em relação à participação da escola no programa. Ambos os diretores indicaram que a escola é participante do PSE. No que se refere à realização de atividades de promoção da saúde em parceria com o PSE, uma das escolas informou que entre os anos de 2021 e 2022 desenvolveu alguma iniciativa (ações, eventos, atividades) em parceria com o programa, e a outra informou não ter realizado ações com o envolvimento do PSE. Em contrapartida, a escola que informou não ter realizado ações em parceria com o PSE informou que entre os anos de 2021 e 2022 realizou atividades sem o envolvimento do programa. Já a escola que realizou iniciativas com o PSE indicou não ter desenvolvido projetos ou ações relacionados à temática da saúde e/ou bem-estar de forma autônoma. Em relação ao tipo de atividade desenvolvida, nas duas escolas as ações realizadas foram palestras.
Pelo baixo número de respostas ao questionário, não é possível chegar a uma conclusão de como a parceria acontece nas escolas e se esta é viável para desenvolver ações, pois foram relatadas poucas ações desenvolvidas e pouca articulação da escola com o PSE. No entanto, pode-se perceber que existem ações sendo realizadas, e pelos relatos, grande parte das ações são de debate e disseminação de informação, ações que caberiam o envolvimento do profissional bibliotecário.
Na segunda parte do estudo, a entrevista com os bibliotecários, por se tratar de um assunto amplo, a análise iniciou sem temas pré-definidos. Bardin (2011) comenta que existem diversas facetas a serem analisadas em uma entrevista, para nossa análise optamos pela análise temática, na qual pode-se dividir o discurso em alguns temas principais que poderão ser aperfeiçoados e esmiuçados em subtemas, caso desejarmos.
Tendo em vista o objetivo da pesquisa, de discutir o potencial de ação dos bibliotecários escolares municipais de Florianópolis na promoção da saúde de suas comunidades foi realizada organização e agrupamento de assuntos, o que resultou em quatro temas principais Percepção sobre Saúde, Escola, Biblioteca, e Bibliotecário (Figura 1).
Figura 1 – Categorias utilizadas para análise na pesquisa

Fonte: Elaborada pelas autoras (2023).
Para melhor compreender a percepção dos profissionais sobre cada um dos temas, apresentaremos abaixo os principais resultados de cada categoria.
3.1 PERCEPÇÃO SOBRE SAÚDE
Para iniciar a análise dos dados obtidos nas entrevistas iremos apresentar a percepção sobre saúde dos bibliotecários. Esta percepção é importante para que ao analisarmos o restante das categorias possamos entender o que estes profissionais entendem por saúde.
Ao realizar o agrupamento e análise das respostas pode-se observar que os profissionais apontam três principais vertentes em relação ao que entendem por saúde, são eles: 1) saúde pessoal - termos relacionados à saúde do indivíduo; 2) Instituições de saúde - termos que mencionam profissionais ou instituições de saúde); e 3) Escola e Biblioteca - agrupamento de falas que mencionam a saúde no contexto da escola e/ou da biblioteca.
A partir destas categorias observa-se que a visão dos profissionais sobre a saúde é primeiramente relacionada à saúde individual e vai de encontro ao conceito de saúde da OMS (2006) que abrange o bem-estar físico, mental e social. Além deste aspecto os profissionais relacionaram o tema saúde com o ambiente escolar e da biblioteca, percebe-se com isso que os profissionais acreditam existir relação entre as duas áreas e ser possível a parceria, no entanto existem desafios. São mencionadas ainda as instituições e profissionais da saúde, o que revela que a saúde está muito relacionada às instituições e profissionais específicos, sendo este um caminho para possíveis parcerias.
3.2 ESCOLA
Na categoria Escola surgiram dois principais subtemas: o “Público” e a “Promoção da saúde”. Em relação ao público da escola os bibliotecários comentam que o principal público atendido é a comunidade escolar, no entanto mencionam que a comunidade em geral também é atendida pela escola. Na fala de um dos entrevistados percebemos como a escola é importante dentro das comunidades, ao mencionar o público atendido pela instituição o profissional menciona “[...] todos os estudantes, toda a comunidade escolar, os pais, a comunidade, porque como é uma comunidade pequena todo mundo tem [...] a escola é referência né.”
Ao abordar a promoção da saúde no ambiente escolar, os profissionais destacam práticas relacionadas a temas específicos como saúde bucal, educação sexual, saúde mental, nutrição, entre outras, que são desenvolvidas principalmente em parceria com o PSE. Surgem nesta categoria falas relacionadas às vantagens e desafios de se promover saúde na escola.
São apontados desafios como a fragmentação das ações e a falta de investimento. Esta fragmentação, setorização e pontualidade das iniciativas pode ser observada na fala a seguir “[...] são trabalhos muito pautados em temas muito específicos que tu viu que eu falei 4 ou 5 temas só, saúde bucal e higiene do corpo, dengue, coronavírus, educação sexual. Esses são os cinco principais temas, não lembro se tem outros não, para não recordar é porque a gente não trabalha tanto”.
Esta visão dos bibliotecários reflete a concepção de Paro (2017) quando comenta que a gestão democrática da escola pública básica (que incluiria a participação dos professores, funcionários da escola, alunos pais e comunidade) é vista como algo utópico, ou seja uma coisa que não existe. Embora detecte que esta é considerada uma visão utópica, o autor comenta ainda que se uma escola pretende realizar uma gestão democrática, está implícita a participação da comunidade em que a escola está inserida, pois a educação escolar deveria voltar-se aos interesses desta comunidade, e como identificar estes interesses sem uma efetiva participação? (Paro, 2017).
Entretanto, as vantagens se sobressaem aos desafios. É mencionada a importância da parceria entre os setores de saúde e educação, a colaboração com universidades e o próprio PSE. Percebe-se que a partir da visão dos bibliotecários que a Escola é um local adequado para promover saúde, no entanto ainda precisa ser percorrido um caminho para que esta promoção da saúde ocorra de forma efetiva na vida dos alunos e da comunidade.
3.3 BIBLIOTECA
Na categoria Biblioteca repetem-se os subtemas “Público” e “Promoção da saúde”. Diferentemente do que é mencionado na categoria Escola, ao comentarem sobre o público da biblioteca os profissionais destacam que se restringe à comunidade escolar, especialmente aos alunos, podemos observar isso no seguinte trecho de entrevista “[...] a biblioteca não tá aberta como Comunitária, apesar de estar descrito que seria todas as bibliotecas da Rede como comunitárias ela não é. Ela é só escolar mesmo [...]”. Durante as falas é possível perceber que a maioria dos profissionais possui uma boa relação com os alunos que buscam desenvolver ações para atrair o público.
Quando mencionada a promoção da saúde no ambiente da biblioteca, os bibliotecários mencionam que desenvolvem ações principalmente relacionadas à leitura, ao desenvolvimento de acervo, à disponibilização do espaço e à biblioterapia. Percebe-se que as parcerias com professores acontecem, mas são bem pontuais e não são mencionadas atividades articuladas entre PSE e biblioteca. Costa et al. (2013) e Nothaft et al. (2014) constatam em seus trabalhos que existe a falta de uma etapa de planejamento coletivo de ações de promoção da saúde nas escolas resultando em iniciativas particulares e de forma desarticulada. Os autores sinalizam a necessidade de aprimoramentos das fases de elaboração das atividades, a partir de planejamentos reais para tentar tornar as ações mais eficazes.
Além das atividades desenvolvidas os profissionais sugerem atividades que poderiam ser realizadas no espaço da biblioteca e pelo profissional bibliotecário como palestras, oficinas, atividades de leitura, projetos em parceria com professores ou outros profissionais da saúde, utilização do espaço para desenvolvimento de atividades ou para acolhimento dos estudantes. Sobre a viabilidade da realização destas atividades os profissionais enumeram diversos desafios, sendo os principais a alta demanda e a falta de profissionais e investimento. No entanto, embora mencionem muitos desafios afirmam que existe sim potencial para a realização de atividades de promoção da saúde nas bibliotecas escolares.
Concluímos o tópico biblioteca observando que os profissionais realizam algumas ações e veem possibilidades de atuar ainda mais. Contudo, existem diversos desafios a serem transpostos para que estas ações sejam mais efetivas, destacam-se a alta demanda e a falta de recursos financeiros e de pessoas.
3.4 BIBLIOTECÁRIO
A última categoria é relacionada ao bibliotecário. Nesta categoria buscamos entender a trajetória dos profissionais atuantes na rede, o entendimento de qual seu papel como profissional dentro da escola e a experiência e preparo para trabalhar com o tema saúde.
Em relação à trajetória foi observado que na maioria dos casos o emprego na SMEF foi a primeira experiência dos profissionais com a BE. É relatado ainda um vínculo afetivo com a escola, temos como exemplo profissionais que embora houvesse oportunidade para troca de escola para uma mais próxima de sua casa já estavam tão envolvidos que se mantiveram na escola em que atuavam e outros que relataram que quando houve oportunidade de mudança a proximidade de casa pesou, mas o que mais pesou para a realocação foi poder atuar na escola em que estudaram quando pequenos ou a escola que fica na comunidade em que moram.
Em relação ao papel que os profissionais entendem desempenhar destacam-se os de incentivo à leitura, de promotor da cultura e de acesso à informação. São mencionados ainda papeis vinculados à educação, afeto, suporte e apoio. Na fala de um dos entrevistados observamos a conexão entre este papel de incentivador e educador aplicado à promoção da saúde “Eu acho que a Biblioteca super pode participar porque como eu falei ela traz esse lado mais da ludicidade, das histórias, então tu podes casar isso enquanto eles estão tendo uma parte mais teórica na sala de aula. Dá para conversar com o bibliotecário: tô trabalhando dentes, você tem alguma história que fale sobre escovação, sobre higiene, sobre cuidado com o corpo? E faz essa ligação ali com a biblioteca”. Golden et al. (2022) afirma que as bibliotecas e os bibliotecários podem ser agentes facilitadores de conversas relacionadas à saúde, para isso é necessário criar oportunidades para que eles possam falar e discutir, pois como escrito por Maya Angelou: “Não há agonia maior do que carregar uma história não contada dentro de você”(Golden et al., 2022).
Ao abordar qual o preparo destes profissionais para trabalhar a temática saúde, eles mencionam que não existem formações específicas sobre o tema e que não há estímulo para que esta temática seja trabalhada. No entanto, reafirmam que a Prefeitura Municipal de Florianópolis e a Secretaria Municipal de Educação dão suporte e apoio no caso de procura pelo tema. Neste mesmo sentido, Adkins et al. (2019) verificou que os bibliotecários escolares que participaram de sua pesquisa relataram não se sentir preparados e capacitados para fornecer apoio à saúde mental de seu público.
Percebe-se na fala dos profissionais que os principais desafios mencionados para promover saúde na biblioteca não são de cunho de capacidade do profissional, mas estão relacionados à falta de incentivo em trabalhar a temática e a dificuldade de conciliar todas as atividades demandadas pela biblioteca por apenas um profissional.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se com a pesquisa discutir a percepção e participação dos bibliotecários escolares da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis nas ações de promoção de saúde das escolas. No âmbito da RMEF, observamos que as escolas realizam atividades de promoção da saúde, no entanto a biblioteca e os bibliotecários não estão integrados nestas atividades.
Embora esta falta de integração possa ser observada tanto na menção dos diretores como na fala dos bibliotecários, os profissionais entrevistados demonstram vislumbrar possibilidades de atuação neste campo. Importante destacar que a biblioteca escolar é parte integrante da escola, suas ações e projetos devem ser desenvolvidos em consonância com o trabalho desenvolvido pelos professores. Ao mesmo tempo que deve existir uma parceria, na qual o bibliotecário apoia o professor, ele também precisa ter autonomia, atitude e voz para propor projetos e assuntos que entenda serem relevantes aos estudantes.
Percebe-se que a temática saúde não é abordada como um assunto a ser trabalhado pelo bibliotecário, resultando em poucas atividades desenvolvidas e falta de capacitação dos profissionais. Entendemos que é preciso dar destaque a esta temática como potencial de atuação do bibliotecário e reforçar a importância das parcerias com profissionais e com a área da saúde para que as ações sejam embasadas e realizadas de forma institucional e não de forma isolada.
Para que este papel venha a ser desempenhado é preciso que os profissionais entendam o conceito de saúde de forma ampla e percebam o quanto suas habilidades podem vir a contribuir com esse campo. Para isso é necessário proporcionar treinamento e capacitação para estes profissionais.
Com esta pesquisa buscamos entender a percepção dos bibliotecários escolares sobre sua atuação e potencial atuação relacionado ao tema saúde. Buscamos com isso contribuir para ampliar a visão sobre o papel de atuação dos bibliotecários dentro das escolas, trazendo a promoção da saúde também para dentro da biblioteca.
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PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2017.
[1] Doutoranda em Ciência da Informação (UFSC). Mestra em Ciência da Informação (UFSC). Graduada em Biblioteconomia (UFSC).
[2] Doutora pela UniversidadCarlos III de Madrid-Espanha (Revalido/reconhecido no Brasil ao título de Doutora em Ciência da Informação pela UFSC). Mestrado em História do Brasil Meridional pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Biblioteconomia e Documentação pelaUniversidade do Estado de Santa Catarina-UDESC (1980). Professora da Universidade Federal Santa Catarina (CED/PGCIN-UFSC).