PROMOÇÃO DE SAÚDE NAS BIBLIOTECAS ESCOLARES

uma possibilidade

Daniela Capri[1]

Universidade Federal de Santa Catarina

dccapri@gmail.com

Eliana Maria dos Santos Bahia Jacintho[2]

Universidade Federal de Santa Catarina

elianambahia@gmail.com

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Resumo

O trabalho discute o potencial de atuação das bibliotecas escolares como promotoras de saúde em suas comunidades. Parte-se do princípio de que saúde e educação são direitos fundamentais e as bibliotecas espaços democráticos de disseminação da informação e conhecimento além de ambientes que buscam promover a cidadania. Apresenta-se a evolução do conceito de saúde, o surgimento da promoção de saúde e o histórico da ligação entre saúde e educação no Brasil. Reflete-se sobre o papel social da biblioteca, o potencial de atuação da biblioteca escolar na promoção de saúde e qualidade de vida.

Palavras-chave: biblioteca escolar; promoção de saúde; informação em saúde; ciência da informação.

Health promotion in the school librarieis:

a proposal

Abstract

This paper discusses the potential role of school libraries as health promoters in their communities. It is assumed that health and education are fundamental rights and that libraries are democratic spaces for the dissemination of information and knowledge, as well as environments that seek to promote citizenship. It presents the evolution of the concept of health, the emergence of health promotion and the history of the link between health and education in Brazil. It reflects on the social role of the library, the potential of the school library to promote health and quality of life.

Keywords: school library; health promotion; health information; information science.


1  INTRODUÇÃO

Este trabalho busca refletir sobre a atuação e a potencial atuação das bibliotecas escolares na promoção de saúde de suas comunidades. Para isto, iniciaremos revisitando a evolução do conceito de saúde e promoção de saúde ao longo do tempo e refletiremos sobre o papel social da biblioteca e o potencial de atuação da biblioteca escolar na promoção de saúde e qualidade de vida.

Mesmo sendo a saúde um direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e pela Constituição Federal de 1998, grande parte da população brasileira vive em situação precária, seja em relação às condições sanitárias quanto em relação ao acesso às informações adequadas às suas demandas para tratamento, prevenção e promoção de saúde. Este cenário não é exclusivamente brasileiro, ele pode ser observado em menor ou maior escala em muitos países do mundo. Visando melhorar esta realidade, no ano de 2015 a Organização das Nações Unidas desenvolveu a Agenda 2030, um documento que estabelece um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, sendo organizada em 17 Objetivos e 159 metas. Estes objetivos são integrados e indivisíveis e estão baseados nas três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental, com o propósito de concretizar os direitos humanos de todos, e com a missão de não deixar ninguém para trás. Entre os objetivos estabelecidos, o Objetivo 3 “Saúde e bem-estar” busca “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” (ONU, 2015, p.1).

Nesta seara, é preciso repensar os espaços de promoção de saúde para que este objetivo possa ser atingido. O ambiente escolar, além da sua função de ensino, constitui um espaço de socialização e construção da identidade do estudante fora da família. Levando em conta que a maioria da população frequenta esses estabelecimentos e estes podem proporcionar circunstâncias favoráveis para a assimilação de certos hábitos, atitudes e informações, as escolas têm sido apontadas como espaços privilegiados para o desenvolvimento de atividades preventivas e promotoras da saúde (Santos et al., 2011; Knevitz; Béria; Shermann, 2018; Paes; Paixão, 2016).

A biblioteca escolar (BE) é um dos espaços educativos que devem ser estudados e utilizados para promover estas ações, pois tem como missão promover “serviços de apoio à aprendizagem e livros aos membros da comunidade escolar, oferecendo-lhes a possibilidade de se tornarem pensadores críticos e efetivos usuários da informação, em todos os formatos e meios” (IFLA, 1999, p. 1).

No entanto, apesar de seu potencial social, educativo e integrador, em muitas situações a BE não está integrada aos projetos desenvolvidos nas escolas, gerando uma lacuna em seu potencial de atuação. Neste trabalho busca-se discutir qual o papel social das bibliotecas escolares, até onde estão atuando e como elas poderiam contribuir para a promoção de saúde nas escolas, melhorando assim a qualidade de vida da comunidade em que estão inseridas.

 

2 SAÚDE UM DIREITO SOCIAL IRREVOGÁVEL

 

A saúde é amplamente reconhecida como o maior e o melhor recurso para o desenvolvimento social, econômico e pessoal, assim como uma das mais importantes dimensões da qualidade de vida. Mas nem sempre foi assim, durante muito tempo a saúde foi entendida exclusivamente como o estado de ausência de doença. No entanto, esta definição foi considerada insatisfatória, sendo substituída em 1948 por um novo conceito que considera a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (WHO, 1946, p.1, tradução nossa). Laurell (1982) apresenta a saúde-doença como um processo social, ou seja, as condições de saúde de uma população estão diretamente relacionadas ao meio em que vivem, ao caráter histórico e social. A autora defende que não é possível melhorar a saúde de uma comunidade apenas por meio das práticas médicas, é preciso entender como as pessoas interagem entre si e com o ambiente e atuar de forma coletiva. A partir destes conceitos, entende-se que a saúde visa garantir bem-estar tanto para os indivíduos quanto para a sociedade como um todo. Necessita, portanto, expressar o direito a uma vida plena, sem privações.

Decorrente de um movimento mundial por uma nova saúde pública, no ano de 1986, em Ottawa, foi realizada a primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, trazendo a definição de promoção de saúde como um “processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde [...]”. O documento apresenta ainda, “que para atingir um estado de completo bem-estar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente.” (Carta de Ottawa, 1986, p. 1). Nesse sentido, percebe-se a saúde como um conceito positivo, que evidencia características sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas.

No Brasil, a partir da redemocratização e com a promulgação da Constituição Federal de 1988 foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), que veio para “assegurar o acesso universal dos cidadãos às ações e aos serviços de saúde, a integralidade da assistência com igualdade, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie e com ampla participação social [...]” (Brasil, 2018, p. 7). Visando enfrentar os desafios de promoção de saúde e a qualificação contínua das práticas sanitárias, em 2006 foi aprovada a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) do SUS, que defende que para que a política de saúde aconteça, incluindo a de política de promoção da saúde, “é necessária a consolidação de práticas voltadas para indivíduos e coletividades, em uma perspectiva de trabalho multidisciplinar, integrado e em redes, de forma que considere as necessidades em saúde da população, em uma ação articulada entre os diversos atores, em um determinado território” (Brasil, 2018, p. 7).

A PNPS define a promoção da saúde como “um conjunto de estratégias e formas de produzir saúde, no âmbito individual e coletivo, que se caracteriza pela articulação e cooperação intrassetorial e intersetorial e pela formação da Rede de Atenção à Saúde [...]”. Desta forma, são reconhecidas para a promoção de saúde “as demais políticas e tecnologias existentes visando à equidade e à qualidade de vida, com redução de vulnerabilidades e riscos à saúde decorrentes dos determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais” (Brasil, 2018, p. 7).

Além das redes regionalizadas e hierarquizadas do sistema de saúde, a PNPS considera, ainda, que “os demais setores e instituições são fundamentais para a produção de saúde e do seu cuidado” (Brasil, 2018, p. 7). Tem-se então, a promoção de saúde como um processo que engloba diversos âmbitos do indivíduo. Entende-se que ela não é responsabilidade exclusiva do setor da saúde, mas sim deve ser desenvolvida de forma inter e intra-setorial, visando promover ações que conduzam na direção de um bem-estar global (Carta de Ottawa, 1986; Buss, 2010).

 

3 A SAÚDE, A EDUCAÇÃO E O PAPEL SOCIAL DAS BIBLIOTECAS ESCOLARES

 

A ligação entre os campos da saúde e da educação não é de hoje. Esta relação foi sendo construída ao longo da história do país, orientada pelas concepções de saúde e de educação vigentes em cada período. As primeiras campanhas de promoção e educação em saúde no Brasil não eram amplas e nem continuadas. Elas se concentravam na então capital, Rio de Janeiro e em São Paulo e logo que as epidemias diminuíam, as ações perdiam força (Silva, 2007; Maciel, 2009). Essas campanhas eram impostas de forma coerciva e muitas vezes preconceituosas, não existia uma sensibilização da população sobre os benefícios da vacinação e da higiene, por exemplo, a população apenas acatava as ordens (Maciel, 2009).

No início da Era Vargas, na década de 1930, a educação e a saúde se encontram definitivamente com a criação dos Centros de Saúde – com o objetivo de difundir ainda mais as noções de higiene individual e prevenção de doenças infecto-parasitárias –, e do Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública. Elaborou-se então a legislação educacional que garantiu a expressão da saúde na escola, baseada em fundamentos higienistas, biologicistas, biomédicos e assistencialistas, sob a designação genérica de ‘programas de saúde’. Este modelo higienista perdurou nas escolas até a década de 1950 (Maciel, 2009; Cruz et al., [2020]).

Neste mesmo período foram realizadas reformas no ensino, pautadas na Escola Nova, movimento de renovação, que acredita que a educação é o único elemento verdadeiramente eficaz para a construção de uma sociedade democrática, pois leva em consideração as diversidades, respeita a individualidade do sujeito, e forma cidadãos aptos a refletir sobre a sociedade e capazes de inserirem-se nela. Fernando de Azevedo (1928-1930) e Anisio Teixeira (1931-1935) foram dois atores importantes neste movimento, de acordo com Garcez et al. (2016, p. 242) “pode-se inferir que esses educadores colocaram a biblioteca escolar na agenda governamental, a partir da década de 1930”.

No ano de 1985, pós Ditadura Militar, no início do período democrático ocorre a universalização da saúde e da educação e os dois campos consolidam-se com a promulgação da Constituição de 1988, em que a saúde aparece como ‘Direito de todos e dever do Estado’ e a Educação como ‘Direito de todos e dever do Estado e da família’. Neste momento ambos os campos ampliam seu atendimento e são fortalecidos, sendo que dois grandes marcos contribuem para este fortalecimento. Na Saúde tem-se a Lei 8080/1990, a qual institui a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e traz um novo entendimento sobre o que é saúde, superando os conceitos anteriores de individualização e biologização. Na educação, no ano de 1996, tem-se a promulgação da Lei nº 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que apresenta uma concepção de educação igualitária, plural, gratuita, democrática e universal, tendo a escola como principal lócus do seu desenvolvimento, mas não o único, sendo incluídos os contextos familiar, do trabalho, das relações humanas, da cultura, da organização social e da pesquisa. Esta legislação destaca ainda o acesso às políticas públicas, entre elas, a saúde (Cruz et al., [2020]).

Este novo entendimento sobre saúde e educação contribuiu para a implantação de iniciativas que integravam estas duas grandes áreas. Sendo a escola o espaço institucional com a missão de capacitar para a cidadania em sentido amplo, no início da década de 1990, surge a Iniciativa Regional de Escolas Promotoras de Saúde, a qual propôs a articulação entre saúde e educação com base nos princípios da Promoção da Saúde. A partir desta iniciativa foram impulsionadas discussões sobre programas para saúde do escolar no Brasil, entre eles, o programa Saúde e Prevenção na Escola (SPE), e em sequência o Programa Saúde na Escola (PSE), instituído em 2007 pelo Decreto Presidencial nº 6.286, de 5 de dezembro de 2007, um programa intersetorial que busca complementar o cuidado integral visando à prevenção de doenças e a boa saúde do público escolar baseados na promoção de saúde e na educação em saúde (Cruz et al., [2020]; Brasil, 2007).

Apesar da existência desta parceria entre os dois campos, estudos apontam que esta pode ser considerada pontual e limitada, focando apenas na prevenção e controle de riscos (Pereira et al. 2021; Brasil et al., 2017).

Para que as atividades entre saúde e educação sejam efetivas, é preciso que ocorram de forma intersetorial, fomentando o repasse de informações adequadas e significativas resultando na construção do conhecimento coletivo. Esta intersetorialidade precisa ocorrer tanto fora (entre ministérios, secretarias, coordenadorias, entre outros) quanto dentro da escola, sendo necessário que sejam planejadas em todos os ambientes buscando atender de forma ampla e assertiva o público a que se destina.

Sendo parte da estrutura escolar, a biblioteca é um dos espaços educativos que devem ser integrados nas ações de saúde desenvolvidas, pois conforme definido pela IFLA (2015, p.19) o papel das BE é ser um “centro de ensino e aprendizagem que fornece um programa educativo integrado nos conteúdos curriculares” (IFLA, 2015 p. 21).

Ao pensarmos a biblioteca escolar como um centro de ensino e aprendizagem, deve-se focar em atender as novas necessidades curriculares e sociais da escola e da comunidade. Neste sentido a Organização dos Estados Americanos apresenta uma definição de biblioteca escolar como centro de aprendizagem, evidenciando que esta deve ter

[...] uma participação direta em todos os aspectos do programa de educação [desenvolvido] com materiais de todo tipo, onde os educadores, estudantes e usuários em geral podem redescobrir e ampliar os conhecimentos, desenvolver pesquisas, desenvolver aptidões para a leitura, para opinar, para avaliar, assim como desenvolver todos os meios de comunicação que dispõe o ser humano com o objetivo de assegurar uma aprendizagem total já que vivemos em um mundo multidimensional [...]. (Organizações dos Estados Americanos, 1985, p. 21).

 

Observa-se neste trecho a importância de a biblioteca escolar promover a busca crítica, contribuindo para a formação de sujeitos informados, que saibam utilizar os meios tecnológicos e as estratégias de busca para suprir suas necessidades informacionais (Cerlalc, 2007).

Silva e Siqueira (2014, p. 44), em seu artigo “Biblioteca Escolar como uma Questão de Direitos Humanos” defendem que “as bibliotecas em geral, e escolares em especial, precisam empreender mecanismos efetivos para que as suas funções e ações de apoio às crianças e à proteção dos seus direitos humanos.” Para isso é necessário além de apresentar e aproximar os alunos de diversas fontes de informação (físicas, digitais, por meio de palestras, vídeos) desenvolver neles a capacidade crítica e analítica para determinar quais fornecem conteúdos relevantes e fidedignos e quais são desnecessários, apenas uma distração ao longo do caminho (Cerlalc, 2007). Esta mudança no pensar e no fazer dos alunos é sugerida pela legislação dos direitos humanos. As bibliotecas ao incentivarem o pensamento crítico, começam a dar certa autonomia de escolha aos alunos, ao invés do fazer e decidir por eles. (Silva; Siqueira, 2014).

Silva e Siqueira (2014, p. 48) destacam ainda que a biblioteca escolar

[...] não pode ser compreendida somente como ambiente de leitura, nem simplesmente um local no qual são obtidas publicações para a leitura domiciliar. A biblioteca escolar ainda supera a concepção de um organismo de informação da escola. Ela pode e deve fazer parte do ambiente educacional no qual os princípios dos direitos humanos – responsabilidade, equidade, seguridade, justiça, tolerância, identidade, liberdade, solidariedade e paz – sejam norteadores de um aprendizado mais eficaz, porque empreende e facilita o desenvolvimento das competências necessárias para o aprendizado contínuo ao longo da vida.

 

Observa que os alunos e professores devem ser o principal centro de atenção e necessidades da BE, contudo, sua atuação não deve se limitar a este público, sempre que possível deve-se atender toda a comunidade escolar, promovendo um ambiente fundamental de aprendizagem e de ensino para todos, estimulando que estes tornem-se independentes para as suas necessidades de informação no aprendizado ao longo da vida.

Ao considerarmos a saúde um direito humano fundamental, necessário para exercício da plena cidadania, e sendo as bibliotecas escolares espaço de aprendizagem que buscam desenvolver e promover o crescimento pessoal, social e cultural, podemos pensar que é sim papel das bibliotecas trabalharem em prol da educação e promoção de saúde.

 

4 A BIBLIOTECA ESCOLAR COMO AGENTE PROMOTOR DE SAÚDE E BEM-ESTAR

 

Para que uma sociedade mais igualitária seja possível, é essencial promover autonomia nas pessoas e capacitá-las para que aprendam durante toda a vida, preparando-as assim para as diferentes fases de sua existência e as diversas adversidades que irão vivenciar. As bibliotecas escolares como espaços educativos e comunitários que devem promover o ensino, a igualdade, o crescimento dos estudantes são ambientes propícios para buscarmos uma sociedade mais justa e com uma melhor qualidade de vida.

Contudo, David Lankes (2021) em seu artigo ‘Bibliotecários Construindo um novo normal’ enfatiza que “[...] o mundo não vai melhorar sozinho. E ter bibliotecas não bastaria para trazer o mundo que queremos. Bibliotecas existem, de alguma forma ou outra, há milhares de anos, e não geraram a utopia que almejamos” (Lankes, 2021, p. 1). É necessário repensarmos o papel da biblioteca e reconhecermos que o valor real não está nos livros e nos prédios, mas sim nos profissionais que ali trabalham, que se dedicam a atender a comunidade e satisfazer suas necessidades.

Lankes (2021) comenta ainda que é preciso que as bibliotecas criem uma conexão direta com as comunidades em que estão inseridas. Quando pensamos em bibliotecas escolares trabalhando em prol da saúde e qualidade de vida de suas comunidades este é um ponto relevante, além de com esta conexão podermos entender quais são as necessidades que podem ser atendidas, temos um mundo em que os índices de depressão, horas em tela e afastamento das pessoas aumentam, é preciso que as bibliotecas se aproximem de seu público buscando melhorar sua qualidade de vida.

No Brasil, os projetos de disseminação de informação em saúde por bibliotecas ainda são tímidos, e os que são desenvolvidos ocorrem principalmente em bibliotecas públicas e universitárias. Pode-se destacar o projeto Informação em Saúde e Cidadania, desenvolvido na Biblioteca Monique Bourget, em São Paulo, dentro do Programa Saúde da Família Santa Marcelina, em que a informação em saúde é disseminada em uma biblioteca. Neste projeto as famílias são cadastradas, e são realizadas visitas e levantamento de dados relacionados à saúde e qualidade de vida, a partir destas informações são identificadas as necessidades e selecionados materiais didáticos junto à biblioteca, com o objetivo de estimular a população para os cuidados com a saúde (Gomes, 2015).

Assim como na iniciativa pontuada acima, por Gomes (2015), Lankes (2021) destaca uma ação que ocorre na Austrália, que busca definir o papel de bibliotecas no apoio à saúde e ao bem-estar de comunidades. Ao serem questionados sobre como as bibliotecas e os bibliotecários poderiam auxiliar na promoção de saúde a primeira menção é ao acervo, banco de dados, materiais.

Pode-se destacar ainda duas ações desenvolvidas nos Estados Unidos, uma Ohio e outra em Wilmington, nas quais as bibliotecas também disponibilizam informações em saúde buscando melhorar as condições de vida e facilitar as decisões da comunidade (Gomes, 2015). Percebe-se então que “O pensamento é: mais dados sobre manter uma vida saudável vai gerar uma comunidade mais saudável” (Lankes, 2021, p. 2).

Inegável que facilitar o acesso aos dados e à informação confiável é essencial e é papel das bibliotecas escolares. Contudo, é preciso entender qual a real dificuldade das comunidades. Lankes (2021) afirma que o dilema da população está em “como agir com base nas informações. Como ir ao médico, comprar remédios acessíveis ou buscar apoio” (Lankes, 2021).

Nesta direção, de apoio aos alunos e não apenas na disponibilização de dados, Harper (2017) realizou uma pesquisa sobre o potencial das bibliotecas escolares no auxílio de estudantes que estão experienciando dificuldades ou se machucando. A autora enfatiza que

Muitas pesquisas confirmaram que os bibliotecários escolares influenciam e impactam positivamente o desempenho acadêmico. Um papel menos conhecido é o de como um bibliotecário escolar afeta positivamente os sentimentos dos alunos de serem cuidados e como a instrução cuidadosamente projetada, a colocação de uma coleção e as instalações da biblioteca da escola contribuem para ajudar os alunos que sofrem. Ainda, quando questionados, muitos bibliotecários escolares oferecem vários relatos anedóticos de sensibilizar uma criança, um coração de cada vez, e de criar um ambiente seguro e enriquecedor com base na compreensão das necessidades de toda a criança e não apenas com o propósito de apoiar o currículo (Harper, 2017, p. 41, tradução nossa).

 

Percebe-se que além do papel informativo. a biblioteca escolar necessita ser este espaço de acolhimento, este espaço seguro. É preciso que seja um espaço em que é dado voz a comunidade que ali é atendida. “Por séculos, bibliotecas amplificam as histórias de autores renomados. É hora de a biblioteca virar uma plataforma para as histórias e experiências da comunidade, do aluno com dificuldade ao advogado mais culto” (Lankes, 2021, p. 3).

Para isso as portas da biblioteca escolar precisam estar abertas para entender quais as necessidades daquela comunidade, as dificuldades enfrentadas na saúde, se é dificuldade de atendimento, depressão, falta de saneamento, violência doméstica, gravidez na adolescência, dentre tantos outros. Assim a BE irá se mostrar esse espaço seguro aos jovens e à comunidade, facilitando a promoção e o apoio às iniciativas de saúde e bem-estar e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida local.

 

5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

 

Neste trabalho buscamos apresentar e discutir o papel social da biblioteca escolar e seu potencial de atuação para a promoção de saúde. Com base na literatura levantada foi possível observar o entrelaçamento histórico entre os campos da saúde e da educação. Observa-se que existem programas que unem as duas áreas, no entanto eles não são realizados de forma integral, trabalham essencialmente de forma pontual e não estão integrados ao currículo e a todos os ambientes escolares.

Quando pensamos na biblioteca atuando como promotora de saúde percebemos que existem estudos que apontam que esta prática já acontece, não de forma disseminada e ampla, mas de forma pontual esta parceria já existe. No âmbito escolar os estudos que apontam a biblioteca escolar agindo como promotora de saúde são mais escassos, seja pelo déficit de profissionais qualificados trabalhando nestes espaços, seja pela falta de pesquisas e materiais nesta área.

Embora no Brasil exista o Programa Saúde na Escola que evidencia a importância de as escolas trabalharem temas relacionados à saúde, não se percebe de forma explícita as bibliotecas incluídas no escopo do Programa. Contudo, sugere-se que poderiam sim ser atores importantes no desenvolvimento do projeto.

Esta não explicitação da participação das bibliotecas não ocorre apenas em âmbito nacional, pode-se observar este mesmo padrão em um projeto do governo australiano o Australian Student Wellbeing Framework de 2018, que visa apoiar as escolas australianas para promover relacionamentos positivos e o bem-estar de alunos e educadores em segurança, inclusiva e conectada às comunidades de aprendizagem (Education Council, 2018, p. 2). Na estrutura do projeto não existe menção ao papel das bibliotecas escolares, mas no site associado existem referências a recursos e atividades que possivelmente são facilitados na biblioteca da escola, como leitura de histórias de sobrevivência em incêndios florestais que ajudam as crianças a se recuperarem de traumas (Merga, 2020).

Mesmo sem este destaque, a partir da discussão realizada neste trabalho, percebe-se que a biblioteca escolar é sim um espaço propício para a promoção de saúde. No entanto, para que isto aconteça é necessário mais estudo na área e é primordial evidenciar ações que já vem acontecendo e como estas podem ser adaptadas e servir de exemplo para outras bibliotecas.

 


 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Doutoranda em Ciência da Informação (UFSC). Mestra em Ciência da Informação (UFSC). Graduada em Biblioteconomia (UFSC).

[2] Doutora pela Universidad Carlos III de Madrid- Espanha (Revalido/reconhecido no Brasil ao título de Doutora em Ciência da Informação pela UFSC). Mestrado em História do Brasil Meridional pela Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC (1980). Professora da Universidade Federal Santa Catarina (CED/PGCIN-UFSC).